Sem sabermos bem as origens, conhecemos a função essencial do Carnaval, último tempo antes da Quaresma para libertarmos o riso e fazer dele a melhor arma crítica, porque ninguém leva a mal. Salazar não achava graça ao Carnaval que era muitas vezes aproveitado para quebrar a lei da rolha e dizer com muito humor o que não se podia nem pensar. Recordo um corso em Alenquer dedicado ao bacalhau, o fiel-amigo, que serviu de sátira à pobreza, à falta de instrução e atraso sistemático, o que não agradava ao regime, sempre muito atento por estas alturas e, não raro, proibindo os desfiles. Nessa época, tinha um gosto especial o Mundo às avessas, única forma de contrariar a ordem repressiva. Também no Brasil a ditadura interferiu no Carnaval, mas a festa popular transbordou fronteiras. Este ano, Daniela Mercury e Caetano Veloso gravaram uma explosiva canção "Proibido o Carnaval" que, entre outras coisas, brinca com as declarações da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre as cores que as crianças devem usar: meninas de rosa, meninos de azul. O Carnaval vai ser grande.
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Mas se quisermos rir, temos muita matéria à nossa volta. Algumas personagens vivem em máscara permanente. O senhor Trump, com o seu cabelo de palha, os trejeitos ao falar, a gravata longa e esvoaçante, o discurso curtinho de três adjetivos, é um desses bonecos animados que só nos incomoda porque roda o Mundo nos dedos como se fosse uma bola de brincar. O encontro desta semana com Kim Jong-un correu bem ao presidente norte-coreano, cuja versão dos acontecimentos foi considerada mais plausível do que a de Trump. Não acreditamos na inépcia negocial que faz deslocar dois presidentes quando os acordos ainda não estavam firmados. Como a maioria dos comentadores assinalou, Trump precisava de um bom pretexto para estar fora dos EUA enquanto o seu ex-advogado o acusava perante o Congresso de mentir sobre os negócios com a Rússia durante as eleições e pagamentos para silenciar mulheres com quem mantinha relações, entre outras coisas. Como disse a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, interessa pouco que o presidente seja má pessoa, interessa muito o que está a fazer aos EUA e ao Mundo. Outras personagens de comédia poderíamos acrescentar. Parece que o Carnaval se instalou como tempo longo e não conseguimos sair deste Mundo às avessas em que o riso acabará por se esgotar.
* PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
