Os resultados do referendo na Suíça, se conjugados com os que as sondagens sobre as próximas eleições europeias permitem antecipar, deviam fazer soar campainhas de alarme por toda a Europa. Com algumas variantes, assiste-se ao regresso, em força, das ideias populistas e proteccionistas, perigosas irmãs gémeas que não escolhem campo político.
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O problema são os outros. As pessoas, primeiro. Dir-se-ia que isso distingue, apesar de tudo, a Direita da Esquerda mais propensa a dar prioridade aos movimentos de bens ou de capital. As fronteiras são mais ténues do que se possa pensar, como há pouco ficou demonstrado na Bretanha, com a passagem de um círculo eleitoral dos comunistas para a extrema-direita. Em tempo de desemprego elevado e de crise económica (por mais que os dirigentes políticos apregoem o seu fim, essa não é - ainda? - a percepção da rua), os imigrantes são um alvo fácil como a Suíça, com uma taxa de desemprego baixíssima, demonstra. A questão, o perigo, está no começar. Começando, não se sabe onde, quando ou se vai parar. Começa-se por uma decisão preventiva, que nos dá jeito, nos protege, na expectativa de que tudo o resto que também nos dá jeito, nos beneficia, se mantenha igual. Só que, do outro lado, pode haver, há, quem se sinta afectado. E retalie, com medidas que compensem o dano inicial e, já agora, favoreçam os seus próprios interesses. Se não houver bom senso, a escalada proteccionista é inevitável. Vários conflitos assim surgiram, com a economia a ser o pretexto de que a política precisava. Qualquer que seja a versão, mais circunscrita ou generalizada, sabe-se quem perde: os mais desfavorecidos. Carne para canhão na guerra, seja ela "só" económica (com o desemprego ou a inflação) ou política (com a própria vida).
Os outros! Fora e dentro, os outros são o nosso problema quando talvez devessem ser problema nosso. Na melhor das hipóteses fazemos por os ignorar, por considerar que os problemas deles são deles e não nossos. Estão desempregados por não quererem trabalhar. Pobres por não merecerem mais. Endividados por não terem cabeça. No fundo, têm o que merecem! Quando os problemas deles se impõem como problemas nossos, por nos termos tornado nos "outros" deles, pode ser tarde de mais. É-o, certamente, no plano ético, mesmo que ainda haja uma solução, ou melhor, um remedeio no terreno da política e da economia.
Prevenir é, apenas, pragmatismo, não um modelo de sociedade. Ainda assim, requer uma atenção acrescida ao outro e ao detalhe. Por exemplo, quanto à tão falada igualdade de oportunidades, central ao discurso liberal de pacotilha. A igualdade de oportunidades, a sério, tem pré-condições exigentes que não se reúnem sem políticas de discriminação positiva, por exemplo na educação. As autarquias são a entidade mais bem colocada para atacar o problema, por o conhecerem e sentirem de perto. Para tal precisam de ser dotadas de meios humanos e financeiros que o centralismo orçamental lhes nega, até ao dia em que já seja tarde!
Ao contrário do que muitos propagandeiam, o "darwinismo" não defende a sobrevivência dos mais fortes mas dos mais aptos. É disso que os mais fortes têm medo. Quando os mais fortes impõem leis que os consagram como os mais aptos, só por acaso a evolução conduzirá a um bom resultado. E não é por acaso que nos países menos desenvolvidos é, precisamente, aquele o padrão: as instituições fracas e vulneráveis a jogos de influências perpetuam e aprofundam as diferenças que, por inércia, acabam por ser consideradas "naturais". O fatalismo e o providencialismo são duas consequências típicas. É preciso algo ou alguém que nos tire desta situação. Pode ser um ditador, o mercado ou o Estado. Deus ex machina. Os amanhãs que cantam. O milagre económico. Tudo ou nada.
Quando a ilusão dá lugar ao desencanto, o terreno fica, porventura, ainda mais propício para soluções radicais, simplistas e demagógicas. O problema são os outros. Mesmo quando eu já fui o outro: imigrantes contra imigrantes, empregados contra desempregados, Norte contra Sul, Sul contra Sul. O Mundo está perigoso, dizia Victor Cunha Rego.
O autor escreve segundo a antiga ortografia