Se não servisse para mais nada, os acontecimentos na Ucrânia tornaram nítido que estamos no dealbar de uma nova ordem internacional. Paradoxo aparente. A economia liberal de mercado parecia ter chegado para liderar e harmonizar o funcionamento económico e financeiro do Mundo sob a tutela dos novos superpoderes supranacionais e o polícia americano aí estava, omnipoderoso, para manter a ordem internacional.
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Se não servisse para mais nada, os acontecimentos na Ucrânia tornaram nítido que estamos no dealbar de uma nova ordem internacional. Paradoxo aparente. A economia liberal de mercado parecia ter chegado para liderar e harmonizar o funcionamento económico e financeiro do Mundo sob a tutela dos novos superpoderes supranacionais e o polícia americano aí estava, omnipoderoso, para manter a ordem internacional.
É verdade que a União Europeia, o Mercosul, a União dos Estados do Sudoeste Asiático, o FMI, o Banco Mundial e quejandos blindaram labirintos de circulação decisória muito restrita e condicionada, é igualmente óbvio que o poder militar ianque é avassalador, em terra, no ar e principalmente nos sete mares.
Contudo, a complexidade sociológica e tecnológica do Mundo contemporâneo baralhou todas as contas e deve estar a fazer fumegar os espíritos pensadores por todos os Langley deste Mundo.
De facto, um poder militar médio, como a Rússia hoje, ou a Turquia, o Paquistão, a Índia ou o Brasil amanhã, podem dar aconchego a uma anexação à moda da Crimeia, sem que os poderosos Estados Unidos da América, para já nem falar na anémica Europa, possam mexer uma palha. Para tal só precisam, e mesmo assim in extremis, de um pequeno aconchego ético. Como aquele que resulta do exército russo se limitar a ir proteger uma larga maioria de cidadãos etnicamente russófonos que desejam a ligação perene à sua mãe pátria.
Neste caso, ou noutro aparentado, a capacidade de reação oscilará entre o nulo, o patético e o romântico.
Ninguém toleraria uma guerra para ir salvar russos que não querem ser ucranianos, ainda para mais num território ancestralmente russo. Ninguém aceitaria que economias interdependentes - a russa e a europeia - se martirizassem a troco de caprichos moralmente discutíveis. Ninguém quererá entrar numa espiral de retaliações que mais saberia à perseguição de oligarquias rivais. Assim, "fait accompli".
Que lição se deve então tirar deste facto novo.
A política internacional terá que ser cada vez mais negociada a uma escala multilateral. Cada vez mais se terá de atuar por antecipação, antevendo com realismo as dinâmicas globais.
Acrise da Ucrânia é antes de mais a crise de uma política externa americana reativa, que há muito se virou para o pacífico esquecendo a Europa. É uma crise de uma Europa sem rumo, desatenta, afogada nas suas contradições económicas e sociais, sem política de estrangeiros, segurança ou defesa comuns.
Se assim não fosse teria entendido a tempo e horas o que se passava nessa terra que não é por acaso que se chama Fronteira=Ucrânia. Uma pátria dividida há centenas de anos. Com um Ocidente filho dos impérios austro-húngaro e polaco-lituano, um Leste de maioria identitária russa, de uma Crimeia claramente, ainda, "soviética".
Compreenderia igualmente que a explosão atual nada teve de linguística ou étnica, isso foi uma mera consequência. A explosão resultou tão-somente da exaustão de uma população saturada de uma democracia de fachada controlada por oligarcas corruptos, com um nível de vida a cair a pique, mesmo quando comparado com a da vizinha Rússia.
Tivessem os EUA e a Europa entendido isto, compreendido os legítimos anseios russos consubstanciados no seu anunciado projeto de união de estados euro-asiáticos e porventura uma grande e atempada conferência internacional já teria acontecido. Defendendo o sábio e inevitável. A criação de um Estado tampão, independente, soberano, respeitador das suas diferenças internas, verdadeiramente federal.
É assim que deve ser preparada a nova diplomacia do futuro. Leiam o que escreveu sobre o tema essa velha raposa carcomida chamada Henry Kissinger.