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“E tu, já soubeste?”, perguntou-me a pomba que pousa no parapeito da minha janela quando está sozinha. É a pomba mais sozinha das pombas porque mal consegue bater a asa esquerda. Para voar e ir ter com as outras, é preciso bater as duas asas, a esquerda e a direita.
“Ainda não soubeste?”, insistiu ela. “Eu conto-te a notícia! Disse-me a rola, que se recusava a falar comigo até agora; disse-lhe a gaivota, que baixou lá das alturas para lhe contar; disse-lhe o guarda-rios, que estava desavindo com ela porque as aves de água doce não se dão com as aves de água salgada, mas sentiu-se obrigado a informá-la; disse-lhe a alvéola, que é pequenina e tímida mas neste caso atreveu-se a falar-lhe; ouviu do papa-figos, que é grande e espalhafatoso e fala muito alto; soube pelo corvo, o que foi um verdadeiro feito, porque o corvo tem inveja das penas amarelas; berrou-lhe a toutinegra, dão-se bem, mas ela, que é toda preta como o amigo, tem de se fazer ouvir; contou-lhe de boca cheia o papa-moscas; ouviu do pardal, que por acaso apanhou o cuco a segredar a notícia.”
Despacha-te, pomba, queria eu pedir - mas nunca se deve interromper uma pomba quando nos enumera escrupulosamente, e de memória, todos os pássaros pelos quais passa uma notícia.
E ela continuava: “Foi o pisco-de-peito-ruivo que contou ao cuco, sabendo muito bem que ele rouba os ovos, mas o pisco tinha acabado de saber e precisava de contar a alguém; ouviu do melro, com quem se cruza no jardim, que por sua vez estava muito ansioso por ainda não ter encontrado ninguém a quem contar; disse-lhe a coruja, que queria ir dormir porque o dia se aproximava e os dois são os únicos pássaros que se encontram de madrugada; e por fim foi a própria vaca que contou à coruja - é tabu as espécies falarem-se, mas hoje anda tudo diferente, até os tabus; a vaca disse-lhe que assistiu ao acontecimento mas não entendeu, o burro é que lhe explicou.”
Aqui, a pomba parou para respirar. Depois concluiu: “E agora conto-te eu a ti.”
Eu queria muito saber qual era a notícia que voara de bico em bico até chegar a mim. Porém, antes que a pomba cansada me pudesse finalmente dizer, reparei que tremia e estava com a asa esquerda descaída. Peguei nela, trouxe-a para dentro, sentei-a comigo ao pé da lareira e esperei que recuperasse, antes de me contar a boa-nova dos passarinhos.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)