<p>Verão de 1989. Debate quente nos estúdios da 5 de Outubro. A RTP era a única estação da época, e passava meio século sobre o início da segunda guerra. Quando referi o protocolo secreto ao pacto germano-soviético, de Agosto de 1939, um comentador (não refiro nomes, até porque alguns já partiram) disse-me que se tratava de uma "velha invenção do capitalismo anticomunista" (cito de cor). </p>
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O protocolo, de quatro artigos, existia mesmo. Mas é verdade que, apesar da pressão sobre Gorbachev, que formara uma "comissão especial de estudo e inquérito", em Agosto de 1989 a URSS ainda não tinha admitido, oficialmente, a existência dessa adenda. Só revelou o protocolo em Dezembro desse ano, e só o desclassificou em 1992.
O acordo confidencial, que dividia a Europa em zonas de influência nazis e soviéticas, provava, para quem precisasse, que o pacto Molotov-Ribbentrop não era um mero acordo de não-agressão, ou uma tentativa, por Estaline, de "ganhar tempo", mas um genuíno tratado de cumplicidade, aliança e revelação de interesses e valores comuns.
O protocolo secreto levou à partilha, entre nazis e soviéticos, da Polónia, da Roménia, da Finlândia, e à ocupação das nações bálticas. E foi só o princípio.
Conduziu ao "tratado de amizade, cooperação e demarcação", entre a URSS e o Reich, de 28 de Setembro de 1939. Levou ao Tratado Comercial de 11 de Fevereiro de 1940, celebrado pelos mesmos regimes, que permitiu a Hitler, mercê de maciças exportações soviéticas (por exemplo, 900 mil toneladas de petróleo), quebrar o bloqueio ocidental. Levou à aquisição, por parte do Exército Vermelho, das mais modernas tecnologias alemãs, na área da aviação, carros de combate, e sobretudo da guerra naval.
O pacto e os seus acordos secretos traduziam, no fundo, a semelhança de dois regimes, quanto às suas formas, consequências, inimigos e até visões do Mundo. Importava destruir o universo burguês, esmagar o capitalismo imperialista, fazer ascender o triunfo dos estados orgânicos e totais, fundados em nome da raça ou da Humanidade, da nação ou do povo.
O pacto teve uma consequência visual imediata: o desfile conjunto de tropas alemãs e soviéticas, orgulhosas nas suas bandeiras, em Lvov e Brest Litovsk, na Polónia duas vezes invadida.
Porque a Segunda Guerra começou com duas agressões: a alemã, a 1 de Setembro, e a soviética, umas meras semanas depois.
Logo a seguir, cessou a propaganda antifascista na Imprensa soviética. E em 30 de Novembro de 1939, Estaline dizia ao "Pravda" que os culpados da guerra na Europa eram a França e a Alemanha, que tinham "atacado a Alemanha".
O pacto fora um crime contra a paz. Mas, seguindo instruções do Comintern de Dimitrov, que controlava o pensamento dos Partidos "comunistas" internacionais, o jornal "L'Humanité", do PCF, titulava "O triunfo da paz".
Seguindo essas instruções de Moscovo, Maurice Thorez, Secretário-Geral do PCF, desertou das forças armadas francesas. Paris era entretanto invadida. O pacto duraria até 1941.
Muitos comunistas, nacionalistas, conservadores e liberais, tentaram opor-se à maré. Mas perderam. Na nova linguagem "comunazi", satirizada por George Orwell em "1984", "guerra é paz, paz é guerra".
Em 1945, a URSS tornou-se assim no único aliado de Hitler que ganhou a guerra, e que esteve dos dois lados.
Esperava-se que a Rússia, um dos seus sucessores, pudesse ter ido mais longe, na denúncia e condenação deste crime.