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Pelos dias de hoje, não é tarefa fácil tentar comentar a realidade nacional sem irmos parar sempre ao ponto fulcral, ao nó górdio do nosso momento político, o acordo à Esquerda, entre PS, BE e PCP.
Na lenda, que deu lugar a esta metáfora recorrente, o rei da Frígia morreu sem deixar herdeiro e um oráculo anunciou que o sucessor seria o próximo homem a chegar à capital num carro de bois. Foi um agricultor, de nome Górdio, a ser coroado e ele decidiu dedicar a sua carroça a Zeus, amarrando-a com um intricado nó à coluna de um templo.
Que, após a noite eleitoral, António Costa tenha transformado a sua aposta política em ser um primeiro-ministro tão improvável como o agricultor da lenda, não restam dúvidas. Mas o momento é ainda de esperar para perceber se Costa, tal como Alexandre o Grande viria a fazer mais tarde na lenda, consegue desatar o nó desta inédita aliança em mais de 40 anos de democracia.
Até lá, teremos de continuar um jogo de espelhos em que qualquer facto político é uma coisa ou outra, conforme a vemos na perspetiva de haver ou não acordo.
Francisco Assis avança para a liderança do PS em contestação ao possível acordo parlamentar à Esquerda dos socialistas? Se não houver acordo, é quase certo que no próximo congresso do partido teremos mais do que um candidato à liderança. Mas se houver acordo, será difícil que a procura de debate do eurodeputado não passe disso mesmo. Dificilmente um homem tão consciente das regras da vida de um partido se atreveria a disputar a liderança de um primeiro-ministro.
As medidas aprovadas pelo último Conselho de Ministros são uma porta aberta à procura de um entendimento com o PS, ou procuram antecipar futuros constrangimentos para os socialistas no Parlamento? A resposta está condicionada pela existência ou não de acordo. Com ele, teremos um Governo socialista, que será obrigado a medidas de contenção orçamentais similares às agora apresentadas, para horror dos seus aliados, que em circunstâncias normais as rejeitariam. Se não houver acordo, e prosseguir o Governo de Passos Coelho, não terá sido uma mera jogada política, mas a persecução esperada de uma governação que necessita, pelo menos, da abstenção do PS para prosseguir.
Somos, portanto, um país à espera que se desate o nó, e até lá todos os prognósticos só serão válidos após o jogo. O mais inquietante é a sensação de que o emaranhado é tal, que não faltarão muitos mais nós para desatar pela frente. O melhor é habituarmo-nos.