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A prudência de João Pinto, o antigo defesa e capitão do (meu) F. C. Porto, ficou guardada nos anais da história do futebol português. A tal ponto que ainda hoje a famosa frase "prognósticos só no fim do jogo" se mantém, entre outras do mesmo autor, no léxico do futebolês nacional. "Chutei com o pé que tinha mais à mão" é a minha preferida. Desde logo, pela sua atualidade.
O Governo que nos calhou em sorte usa vastas vezes a estratégia do remate com o pé que tem mais à mão, acrescentando logo a seguir à tomada de uma decisão outro "must" luso: "Que seja o que Deus quiser". Deus, claro, tem as costas largas, mas nem sempre o que Ele quer corresponde ao que eles queriam.
Trata-se, certamente, de mais uma falha explicada pela forma como o Governo faz comunicação política. De outra forma, Deus, como é todo-poderoso, não pactuaria com a miséria de vida em que os portugueses vivem mergulhados. Também há a hipótese de Deus andar a ouvir em demasia o crente João César das Neves, emérito economista que vê chusmas de calaceiros e parasitas entre o povo que recebe apoios sociais e entende que o aumento do salário mínimo seria uma medida de consequências monstruosas para os mais pobres.
Ontem, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) abriu a torneira da água fria, virou a mangueira para Portugal e atingiu-nos em cheio. Gelou-nos. Na mesma semana em que o Governo perdeu a referência da Irlanda e em que pateticamente tenta passar a ideia de que seremos capazes de imitar os celtas, a OCDE avisa: a economia portuguesa vai crescer menos do que o que prevê o Governo e o défice orçamental até 2015 ficará consecutivamente acima das metas acordadas com a troika. Todos os valores relevantes da análise feita pela OCDE estão acima dos objetivos acordados entre as autoridades portuguesas e a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI).
Verdade que se trata de previsões. Logo, à boa maneira de João Pinto, será preciso esperar pelo fim do jogo para apontar um certeiro prognóstico. Sucede que, pelo que o passado recente nos mostra, o Governo não está disposto a esperar pelos segundos finais da partida. Virará, sempre que tal for necessário, os portugueses de cabeça para baixo a ver se sai mais algum euro do bolso dos indefesos contribuintes.
Em declarações à agência Lusa, o economista da OCDE responsável por Portugal, Jens Arnold, disse ontem que, perante estes factos, "se o crescimento [económico] não for tão forte como esperado, então não devemos considerar os objetivos como uma religião". Este tipo está louco! Não "considerar os objetivos como uma religião"? Parafraseando Jorge Jesus, se Passos ouve Jens Arnold ainda o transforma no "bode respiratório" da nossa desgraça.