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Tal como registava ontem um camarada de outro jornal, esta é a crónica que ninguém quer escrever pelo simples facto de já tudo ter sido escrito sobre ele. Mas Cristiano Ronaldo, sim, é sobre ele que escrevo, continua a merecer muitas linhas com gratidão, pelo menos tantas quantos os berros que nos fez soltar anteontem.
A anormalidade que somos no futebol só deve ser comparável à anormalidade que fomos nos Descobrimentos. Como então, entre nações, a estatística deveria atirar-nos para um lugar insignificante no ranking da UEFA, mas por boas e algumas más razões nós temos conseguido fintar a lógica. Que no meio disso tenhamos conseguido que alguns dos nossos jogadores estejam entre os melhores do Mundo não é razão para grande espanto. Mas que um deles consiga há oito anos estar entre os três primeiros lugares do topo é toda uma outra anormalidade.
Sendo o símbolo, o alfa e o ómega do atual futebol português, Cristiano Ronaldo não é nada o típico jogador nacional. O seu talento não é feito do jeitinho, da manha que nos fez uma espécie de brasileiros da Europa, mas de um físico de deus grego, com velocidade e força ímpares. Ao contrário da nossa anterior estrela maior, Eusébio, ele não é humilde nem homem de família, antes orgulhoso e exibicionista. Ao contrário de uma nação que não gosta que levantem ondas, ele é ambicioso e faz questão de o dizer.
Por isso, num país que cultiva o ressentimento e a inveja como poucos, o Cristiano sempre teve uma legião de detratores que não lhe perdoavam o sucesso, nem a fuga ao padrão nacional. Porque, de facto, Cristiano pertence já a uma geração global que olha para o planeta como a sua casa. Ele está mais próximo desse Portugal que se espalha pelos cinco continentes e que acredita menos no destino e na sorte e mais no empenho e no trabalho.
Nada disto se faz sem um grande ego e uma enorme dose de individualismo. Mas perante tudo aquilo que ele ia conseguindo, esses traços de caráter eram um efeito secundário de menor importância. Quando chegados a França, descobrimos uma estrela capaz de parar para falar com os adeptos, abraçar qualquer emigrante para uma selfie, incentivar os colegas, vir atrás defender... percebemos que a idade, sem lhe roubar muitas das suas características excecionais, lhe deu a maturidade e o espírito de equipa que faz com que hoje nos orgulhemos, ainda mais, de lhe chamar e o sentir como "o nosso capitão".
SUBDIRETOR