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Há quem ridicularize a alegada propensão da imprensa nacional para descobrir um português em qualquer incidente que ocorra fora das nossas fronteiras. Ataque terrorista, queda de avião, inundação, acidente ferroviário... já se sabe: haverá certamente um José ou uma Maria no rol dos envolvidos. No mínimo, um lusodescendente. E se há um português, a coisa cresce, pode passar logo de uma breve notícia para uma catástrofe com direito a manchete.
É evidente que há claras situações de exagero. Ainda há bem pouco tempo, perante o avanço de um brutal incêndio, as autoridades canadianas tiveram de evacuar uma cidade com 80 mil habitantes. Ora, entre esses 80 mil, estavam duas pessoas que faziam parte da comunidade de 18 mil portugueses e lusodescendentes que vivem na província de Alberta. Podia ser um apontamento, mas deu título.
Mas, na maior parte das vezes, o exagero é de quem critica. Como é óbvio, saber que no meio de um acontecimento, que pode ter repercussões planetárias, há alguém que fala português, que provavelmente vibra com a seleção e que, se calhar, até já fez férias na mesma praia que nós, dá proximidade ao que, de outra forma, era só uma coisa lá longe. E a proximidade é uma das regras do jornalismo, porque segue um instinto básico do homem, o de querer ser parte de uma comunidade.
Por isso, causa incómodo esse estranheza perante "o português" que a imprensa "descobre" nos mais inusitados locais, nas mais inesperadas situações. Porque a surpresa representa ignorância e, de alguma forma, pouca vontade de encarar o país de emigrantes que somos.
Hoje, é um português no malogrado voo da EgyptAir, mas há muitos dias que são milhares de nossos conterrâneos que vivem o pesadelo de país à beira da desagregação que é a Venezuela, sem que isso suscite a atenção devida dos média, dos políticos e da comunidade em geral. Razão tem mesmo Fernando Ulrich, quando esta semana criticou o silêncio da classe política nacional sobre o facto de o BPI estar obrigado a alienar 51% da posição que tem no Banco de Fomento Angola por "aplicação acrítica de uma regra" comunitária.
"Ao menos uma condecoraçãozinha no 10 de junho... não ouvi nada. Zero absoluto", disse o banqueiro politicamente incorreto. Pois é, enchemos a boca de lusofonia, da diáspora, mas lá no fundo é muito difícil libertarmo-nos da posição de velhos do Restelo. Os nossos emigrantes merecem muito mais.
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