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Daniel Bessa chamou a atenção recentemente, neste jornal e neste espaço do Círculo, com números concretos, para a influência que teve a decisão administrativa de dar o estatuto de capitais de distrito, em 1835, a certas cidades do Interior de Portugal. Considero também que as decisões administrativas em matéria de organização territorial podem ter importantes efeitos positivos ou negativos.
Foi não só a organização administrativa em distritos como a diminuição do número de municípios, iniciada em 1836, que fez com que o nosso Interior, apesar das suas debilidades, tivesse um conjunto significativo de polos urbanos (sedes de concelho) que permitem que pessoas situadas em qualquer um deles tenham a cerca de 20 a 40 km de distância outras sedes de concelho suficientemente equipadas e minimamente povoadas.
O mesmo não sucede em Espanha e isso tem, a meu ver, consequências para o desenvolvimento equilibrado do Interior que não pode ser delimitado pela fronteira. Na verdade, os concelhos do lado português têm uma dimensão territorial e também populacional muito superior aos seus parceiros do lado espanhol. O lado continental da Espanha conta com cerca de oito mil municípios e o de Portugal menos de 300 (276). Dando um exemplo mais concreto, que poderia ser replicado ao longo de toda a fronteira, comparemos o distrito de Bragança, onde se encontra o Município de Miranda do Douro, sede da ACEC, e a província de Zamora. Tenha-se presente que a Espanha tem cerca de 50 províncias que foram criadas em 1833, com a mesma racionalidade dos nossos distritos.
O distrito de Bragança tem 6600 km2, mais de 120 mil habitantes e doze municípios com os seus presidentes de Câmara. Destes, nove têm mais de cinco mil habitantes e o menos populoso tem 3139 (Freixo de Espada à Cinta). O número de freguesias que seriam em Espanha entidades locales menores – e não existem em Zamora – é de 226.
A província de Zamora, por sua vez, com uma superfície de mais de 10 500 km2 e mais de 160 mil habitantes tem 248 municípios, cada um com o seu presidente de Câmara (alcalde), dos quais mais de metade (142) tem menos de 150 habitantes. Apenas três municípios desta província têm mais de cinco mil habitantes (Zamora, Benavente e Toro). Curiosamente, como se pode ver no mapa, a província tem delimitadas doze comarcas, que são meras circunscrições administrativas sem órgãos representativos.
Esta situação dificulta claramente o necessário diálogo e cooperação entre um e outro lado da fronteira. Diálogo e cooperação que, apesar disso, devem existir e ter como finalidade promover o enriquecimento desses territórios fronteiriços. Enriquecimento que não teria finalidades meramente económicas, nem procuraria transformar estes territórios de secular baixa densidade populacional em territórios de alta densidade. Os territórios do Interior devem ser preservados nas qualidades que, em regra, ainda possuem em termos de paisagem, ar, água, terra, cultura, história e património. Eles têm características próprias para atividades agrícolas, agropecuárias, florestais, industriais, turismo e outras, que não devem ser menosprezadas e antes mantidas e valorizadas.
Não se trata de litoralizar o Interior. Trata-se de manter o que de bom possuem. Importa evitar cometer os erros ocorridos no Litoral, com falta de planeamento e consequente desordenamento do território e desprezo pela natureza. O novo Interior exige adequado planeamento e o desenvolvimento de uma atividade económica que preserve o ambiente e atraia não só o turismo, mas pessoas que desejem residir em territórios com qualidade de vida. Não é tarefa fácil, mas é a tarefa para que todos somos chamados para bem do nosso país.