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A ideia de que o melhor 25 de Abril é aquele que maior grau de consenso produza nada tem de particularmente democrática. Pelo contrário, pode ser sinal de ausência de alternativa. Por isso, para além do folclore que gerou, não vejo que as ausências de figuras como Mário Soares e Manuel Alegre das comemorações oficiais do dia da Revolução dos Cravos possa colocar em causa o sistema. São posições cuja natureza óbvia é de oposição às políticas do atual Governo. E essa leitura deveria bastar-nos, pouco importando se convergem, são arrastadas ou arrastam a outra indisponibilidade para a festa oficial de ex-militares revolucionários da Associação 25 de Abril.
O que, em definitivo, vai validar politicamente essas posições de contestação está à vista: a nova viragem à esquerda do PS.
O facto de Mário Soares já ter aparecido ao lado de António José Seguro com regularidade (antes e depois do 25 de Abril) tem essa leitura. Como é de todos conhecida, a posição de Soares relativamente a um conjunto importante de opções do Governo decorre do seu criticismo quanto ao desnorte dos estados europeus num processo que pode ser classificado como de hegemonia das soluções alemãs perante a crise das dívidas soberanas.
Na sua contingência de ex-chefe de Estado, Soares encontra certamente naquilo que considera uma inaceitável relação de forças no interior da União Europeia, em que prevalece essa Alemanha financeiramente hegemónica, motivo suficiente para colocar em causa qualquer oficialização de consensos nacionais. Isto é política, mesmo incluindo a festa do 25 de Abril.
A partir das posições de Mário Soares, o que verdadeiramente passa a importar são os novos comportamentos do PS.
Em princípio, um novo alinhamento à esquerda deveria propiciar à liderança de Seguro a remoção de um conjunto de obstáculos ligados aos compromissos da anterior governação socialista. Foram esses compromissos que tornaram difícil e errático o regresso do PS à condição de principal partido de oposição.
A bem das alternativas de que a democracia deve ser escrava, os portugueses esperam, agora, que o PS seja capaz de exorcizar o fantasma de Sócrates. O que, seguramente, será mais fácil pela mão de Soares. Simplesmente porque ele exerceu por várias ocasiões, até em momentos de apogeu do socratismo, a crítica pública e as influências que a sua condição de figura do regime sempre permitem.
Doravante, ao novo soarismo do PS ficam a faltar novos compromissos com a Esquerda. Ou seja: colocar um termo à posição hegemónica de que se reivindicou o PS de Sócrates como forma de se defender do avanço eleitoral do Bloco de Esquerda e da persistência de um PC muito forte no plano social.