<p>Fixem este número: 27 milhões de euros por dia. É este o valor da poupança que estamos obrigados a fazer para cumprir a meta definida pelo Governo: chegar a 2013 com o défice das contas públicas abaixo dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB - a riqueza produzida anualmente pelo país). Isso mesmo: 27 milhões de euros por dia. </p>
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É uma brutalidade? Sem dúvida. Para a (tentar) contornar o Governo apresentou ontem a versão preliminar do famigerado Programa de Estabilidade de Crescimento (PEC) que estamos obrigados a mostar a Bruxelas, como prova de que somos capazes de arrostar com tão hercúlea tarefa. O que diz o documento que convenha reter? Diz o previsível: para cortar os 11 mil milhões de euros de "gordura" quem apanha é, sobretudo, a classe média. Cerca de 2,5 milhões de contribuintes não pagarão mais impostos, mas receberão de volta menos IRS, porque se reduzem as deduções fiscais que poderão fazer em áreas tão fundamentais como a saúde e a educação.
Estamos no domínio da semântica: na verdade, o que isto significa é um agravamento da carga fiscal, feita de forma encapotada. Não vale dizer, como disse ontem o primeiro-ministro, que sofrerão apenas os que ganharem acima de 150 mil euros por ano (poucos contribuintes, de resto). Não: sofrerá muito mais gente. O erro de Sócrates não foi cometido ontem, na solene comunicação ao "povo" lusitano: foi cometido bem antes, quando se escusou a deixar claro que os sacrifícios teriam, obviamente, que tocar a classe média.
Mas talvez seja, contudo, no recuo das datas para a construção do TVG entre Lisboa-Porto e Porto-Vigo que mais evidente fica o desespero do Governo para deitar mão (se é que ainda vai a tempo) ao défice. Há poucas semanas, José Sócrates considerava uma tontaria deixar cair um investimento público desta grandeza. Ontem já desejava um lato acordo com outros partidos para levar por diante o projecto. Cá estaremos para assistir à tragédia recorrente: a terceira travessia rodoferroviária do Tejo e outras obras de igual calibre financeiro em torno da capital avançarão, com certeza, porque aí o investimento não pode parar.
Voltem a fixar este número: 27 milhões de euros por dia. Hoje, quando analisarem o PEC, os mercados e os credores internacionais darão os primeiros sinais sobre a consistência do plano governamental para travar a hemorragia. O que disserem não será despiciendo. Melhor: o que disserem poderá determinar a sorte da estratégia gizada por Sócrates e Teixeira dos Santos para aliviar o garrote que (n)os estrangula.
Não esqueçam este número: 27 milhões de euros por dia. Poupar tanto todos os dias exige uma última mas não menos importante variável: estabilidade política e social. O ministro das Finanças pediu ontem à Oposição que garanta a primeira, desde logo porque sabe que a segunda não é controlável.
Os próximos dias serão determinantes para percebermos se o número mágico - 27 milhões por dia, lembrem-se - não passa disso mesmo, de um número mágico mas inatingível. Ou se, ao invés, há condições para que, descontados os remoques, lutas e tricas mais ou menos encarniçadas entre Governo, Oposição e forças sociais é possível estabelecer uma plataforma mínima de entendimento que afaste a turbulência e nos concentre na essência do problema. Que é esta: nenhum país com um PIB como o nosso sobrevive se tiver que poupar, todos os dias, como nós temos que poupar, 27 milhões de euros. É uma brutalidade.