<p>A imensidão de cenários que os resultados das eleições legislativas permite desenhar é tanta que, à cautela, é melhor pegar numa folha de papel A4 e numa esferográfica para não nos perdermos nas combinações, negócios, negociatas, equilíbrios e posicionamentos que podem ser extraídos da votação. Talvez não valha muito a pena esmiuçar, como agora se diz, os "namoros", ou as possibilidades de "namoros", que aí vêm. Desde logo porque, sem sabermos o que dirá hoje o presidente da República sobre o "caso das escutas" (o que poderá mudar as coisas de um dia para o outro), tudo poderá ser extemporâneo e precipitado. Aguardemos.</p>
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Comecemos, portanto, pelo óbvio, para chegar ao essencial.
O óbvio. José Sócrates (e não o PS), Paulo Portas e o Bloco de Esquerda foram os grandes vencedores das eleições legislativas. O primeiro porque resistiu a várias e graves tempestades. O segundo porque conseguiu, depois de uma grande campanha eleitoral, o melhor resultado dos centristas dos últimos 26 anos. Portas reconstruiu, com labor e inteligência, um partido que o próprio colocara à beira do desaparecimento. O Bloco de Esquerda cimentou fortemente a sua posição no espectro político português, mas Louçã teve que engolir um sapo de médio tamanho: o seu partido não atingiu o tão almejado posto de terceiro partido mais votado.
Manuela Ferreira Leite e o PSD são os grandes derrotados das eleições. As causas já foram escalpelizadas. Resta apenas dizer que, com este trágico resultado, pode encomendar-se o funeral do PSD cavaquista e elitista (e talvez sulista e talvez liberal), como bem anteviu o presidente da distrital social- -democrata do Porto, Marco António Costa. A CDU, já se sabe, nunca perde.
O essencial. Sejam as combinações políticas as que forem, há três problemas cuja resolução o país não pode protelar nem mais um segundo. Atrevo-me a chamar-lhe "os três D": défice, desemprego e dívida externa. Sem trazer o défice outra vez para níveis aceitáveis, sem evitar a ruptura social que um crescente desemprego inevitavelmente provocará e sem nos libertarmos do sufoco que é o endividamento externo, caminharemos para um futuro (ainda mais) sombrio.
O que é que isto significa, visto à luz dos resultados eleitorais? Que vamos precisar de mais Estado nuns casos (o Bloco e a CDU devem estar disponíveis para apoiar estas medidas) e de menos Estado noutros casos (o CDS não desdenhará este tipo de políticas). No meio andará a virtude.
Sócrates está, portanto, obrigado a "pescar à linha". Trata-se de uma tarefa dura e desgastante? Verdade. Trata-se de apelar à máxima responsabilidade de todos os partidos com lugar no Parlamento. Não foi isso que o eleitorado pediu nas eleições do passado domingo?