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Ao longo dos anos não faltam exemplos, alguns com consequências graves, de comportamentos discriminatórios e xenófobos por parte de elementos das forças de segurança. Nem é preciso recuarmos muito no tempo. No final do ano passado, um grupo de peritos da ONU mostrava-se surpreendido com relatos de "brutalidade" policial sobre pessoas africanas em Portugal. Em 2018, o relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância sublinhava que as autoridades toleram a discriminação. Também em 2018, a então ministra da Justiça teve de justificar a "traição" de se referir ao tema e dizer que era necessário averiguar as "queixas recorrentes" de racismo nas forças de segurança.
A investigação revelada esta semana, com milhares de mensagens publicadas por agentes da PSP e militares da GNR, introduz uma escala assustadora no problema. Os inquéritos anunciados pelo Ministério Público e pela Inspeção-Geral da Administração Interna são absolutamente necessários e devem ir até ao fim, mas não chegam. Mostram que também o processo de seleção, formação e enquadramento dos elementos policiais terá de ser mais exigente e sujeito a constante fiscalização e melhoria.
Dir-se-á que o discurso de ódio anda à solta no espaço público. Ou que a intolerância e a violência manifestadas por polícias são uma amostra de sentimentos que perpassam a sociedade. É verdade. Mas pelas funções que desempenham, pelos direitos de que são guardiões, não pode haver dúvidas quanto à particular responsabilidade dos órgãos de polícia criminal. Nem pode haver desculpas ou permissividade face a comportamentos que violam princípios constitucionais.
Também não pode seguir-se, claro, o caminho da generalização. Ou da autorização do desrespeito pelas autoridades. Porque neste, como noutros temas, é fácil cair-se na tentação de considerar que as falhas graves que nos desestruturam socialmente justificam todas as formas de combate, incluindo à margem da lei. O ódio e o racismo combatem-se com educação, com princípios éticos e legais, com aplicação exemplar da lei. Fora desse quadro, nada mais existe do que deitar gasolina na fogueira.
*Diretora