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Portugal tem sido considerado um país de brandos costumes. Uma Revolução de Cravos, não de balas. Uma Constituição humanista, preocupada com o ser humano concreto, brindou o povo com um Estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana. Pacificamente, os representantes dos cidadãos votaram uma lei fundamental, que renegou a ditadura, o autoritarismo, a ideologia de extrema-direita. Pela primeira vez, porém, receio pela resistência da democracia tal como a temos vivido. Com liberdade, solidariedade, igualdade de todos perante a lei, com acolhimento fraterno daqueles que, vindos de longe ou de perto, escolhem o nosso país para construírem o seu futuro e o da família. Uma democracia liderada pela liberdade de expressão, de reunião, de pensamento, de organização política baseada na pluralidade partidária, na separação e interdependência de poderes "visando a realização da democracia económica, social, cultural e política". Hoje, desafiando e violando as linhas vermelhas impostas pelos princípios e normas constitucionais, há partidos que, abusando da liberdade que a lei e a Constituição lhes conferem, destilam o veneno do medo, das falsidades, da desinformação, da raiva e do ódio pelo outro, sobretudo se este pertence a qualquer minoria étnica, cultural ou social. Os alvos fáceis desta discriminação são, agora, as etnias ciganas e os migrantes de origem longínqua, que na maioria esmagadora procuram um trabalho, um salário, reunir a família, ter um tecto para se abrigarem. Os cartazes recentemente expostos pelo Chega contra aqueles violam as regras mais básicas da decência, do respeito pela dignidade e liberdade da pessoa humana. Tais outdoors são propícios ao incitamento e encorajamento da discriminação e do ódio, deveriam envergonhar qualquer cidadão que se preze e se afirma pela humanidade, solidariedade, fraternidade e amor pelo próximo. Não obstante, aí estão eles bem visíveis, em grande formato, espalhados pela cidade de Lisboa, incitando ao ódio, à raiva, à segregação, ao racismo, à maldade, afinal. A CRP não permite posições, manifestações e actos que violem os seus princípios humanistas e da defesa intransigente da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. "Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português" (art.º 15º n.º1). A lei penal criminaliza a discriminação e o incitamento ao ódio e à violência. Ora, o conteúdo daqueles cartazes provoca de forma subliminar o ódio e a discriminação, para além de transportar mensagens falsas e absurdas. Devem ser retirados da exposição pública, urgentemente, em defesa da liberdade, da democracia e da paz social e jurídica em que vivemos.
A autora escreve segundo a antiga ortografia

