Ao analisar a informação que ia saindo sobre o OE para 2020 só me vinha à cabeça o formoso jovem inglês que, hipnotizado por Lord Henry Wotton, quis assumir a juventude narcísica do seu próprio retrato, vendendo para isso a alma ao diabo.
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As grandes linhas do Orçamento, sobretudo, a sua discussão e concretização na especialidade, não deixam de ter parecenças com esta obsessão pela aparência ou, pelo menos, com o superficial.
O Governo faz o retrato (orçamental) de um país belo e saudável, com défice zero e crescimento regular.
A Oposição inebria-se com a mesma beleza e impõe retoques que a aprimoram. Mais creches, mais bicicletas, mais salário mínimo, mais pensões, menos propinas, menos IRS...
O PSD , com particular responsabilidades "oposicionistas" , insiste na lógica redistributiva arriscando coerência programática.
Porquê a descida do IVA para cidadãos e não para empresas (para quem sempre defendeu a competitividade da economia como pilar para o aumento de rendimento das famílias); porquê defender a baixa do IVA da eletricidade e não apoiar a tarifa social de energia para desempregados?
Porquê o impedimento das cativações ao Orçamento de um conjunto alargado de instituições para quem defende a liberdade de gestão e, sobretudo, sem que se compreenda os argumentos para a seleção das instituições em causa.
Mas a fábula "Wilderiana" emana sobretudo do contraponto entre a "beleza efémera" da nossa situação atual e o envelhecimento inexorável da nossa resiliência coletiva por falta de uma visão corajosa e realista de todos (ou quase todos) os agentes políticos.
O nosso Dorian Gray orçamental só é possível porque o ciclo económico tem sido favorável, e a política monetária do BCE tem funcionado como medida de último recurso em nome da integridade do projeto europeu.
Por falta de reformas estruturais, a maldição cumprir-se-á e todos seremos o retrato de um país velho e desfeado, vencido pela tentação de contemplar um retrato bonito, mas fácil demais.
Analista financeira