Corpo do artigo
Do Pontal... O apocalipse sazonal dos fogos florestais ainda flagela as aldeias do interior mas já se anuncia o fim do verão. Recomeçou o campeonato nacional de futebol e, no Pontal, o líder da Oposição inaugurou o ano político com um discurso surpreendente, ao estilo de Donald Trump, que incorpora os tópicos preferidos da extrema-direita americana e europeia e que aponta os imigrantes como os responsáveis pela miséria e a insegurança no Mundo ocidental. Não era esta a linguagem a que o PSD nos habituou e é mesmo possível que Pedro Passos Coelho não acredite no que diz e esteja apenas preocupado com a sua própria sobrevivência política...
Seja como for, foi um alarme irresponsável e uma insinuação perversa. Um alarme irresponsável porque Passos Coelho exclamou assim no seu comício: "...O que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido...?" Porém, a lei que pretendia denunciar como sendo uma ameaça à segurança e à tranquilidade dos portugueses é uma lei que apenas se limita a proteger aquelas pessoas que, tendo sempre vivido em Portugal, corram o risco de ser expulsas para outro país onde nunca tenham vivido e onde não conheçam ninguém. Aliás, a lei em causa limita-se, no essencial, a transpor para a ordem jurídica portuguesa uma diretiva da União e consagra o regime comum a outros estados europeus. E, além disso, a nossa Constituição proíbe a pena de morte e a prisão perpétua justamente porque acreditamos na capacidade de regeneração de todos os seres humanos, qualquer que seja a sua nacionalidade, e reconhecemos o valor do arrependimento de quem cometeu um crime e, uma vez cumprida a pena a que foi condenado, tem o direito de ser reintegrado na sociedade a que pertence.
Mas foi também uma insinuação muito perversa. Com a economia e crescer e o desemprego a cair, o líder da Oposição concluiu que era chegada a hora de abandonar a bandeira do empobrecimento coletivo e da destruição virtuosa de uma economia que considerava obsoleta, para abraçar os temas da extrema-direita que alimentaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América - o ódio aos estrangeiros, os preconceitos raciais, a intolerância religiosa. E foi assim que, no Pontal, anunciou o abandono do combate que o seu governo travou durante quatro longos anos em nome das virtudes da globalização, da liberdade de circulação de capitais e de mercadorias, e renunciou às doutrinas liberais que antes invocava, para se virar agora contra a liberdade de circulação das pessoas!
... à Casa Branca
É nos Estados Unidos da América que mais exuberantemente se exprime a perversidade dessas obsessões securitárias. A violência dos grupos neonazis em Charlottesville já foi reconhecida como um ato de terrorismo doméstico. Os manifestantes empunhavam as bandeiras da Confederação - que só pela derrota militar, há 150 anos, se resignou à abolição do esclavagismo e da segregação racial - ao lado de estandartes da Alemanha nazi e de uniformes da Ku Klux Klan. O pretexto da manifestação foi o descontentamento face à deliberação legal e democrática, reconhecida pelas autoridades locais e estaduais, de retirar do espaço público um monumento que exaltava essa memória de opressão e violência racista.
O que parece distinguir o terrorismo doméstico do terrorismo internacional não é a nacionalidade dos seus autores mas, sobretudo, "a raça" ou a religião por eles invocada. Com a eleição de Donald Trump foi arreada a bandeira da liberdade e da igualdade de oportunidades que permitiram à América sair vitoriosa da Guerra Fria. E continua a crescer a intolerância e a violência onde no passado se assumia com orgulho uma nação construída por imigrantes.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL