Eleições, sondagens e simples conversas evidenciam o desencanto com a política e os políticos. A nossa tradicional apetência para o "bota abaixo", amplificada pelas novas tecnologias, acrescenta-lhe uma componente corrosiva, destrutiva, que a actual conjuntura ainda mais facilita. Muito para além de económica, a crise emerge cada vez mais como uma crise política e de regime, que facilita o surgimento de figuras salvíficas, capazes de conjugar demagogia com a ilusão de democracia. Antes que seja preciso resistir importa evitar. Neste contexto, fazem falta personalidades inspiradoras cuja prática e discurso aportem exemplo e razão onde os mesmos tendem a escassear. Na sua ausência, aumenta a responsabilidade de cada um de nós. A situação actual convoca-nos a analisar, discutir, propor, com rigor e serenidade, desde os assuntos mais banais às grandes clivagens ideológicas, desde os temas do quotidiano aos de natureza estratégica. Dois ou três exemplos comezinhos ajudarão, para começar, a clarificar o que está em causa e o caminho que ainda nos falta percorrer.
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Nos últimos dias, surgiram várias notícias sobre a redução, inédita, nas despesas com a alimentação, sugerindo-se uma ligação com a crise que já levaria a que as pessoas até reduzissem na comida. Uma simples visita a um supermercado mostraria que cortar em alguns "alimentos" não será necessariamente mau para a saúde, bem pelo contrário. Talvez fosse pedir muito que não ignorassem este ângulo. Mas já não era pedir muito que se somassem dois mais dois e conjugassem esses dados sobre as despesas com outros em que se evidenciava uma transição para as marcas brancas ou dos distribuidores, bastante mais baratas. Paradoxo dos paradoxos, se o preço for suficientemente mais baixo até pode acontecer que se leve mais comida para casa, por menos! Talvez a crise tenha forçado as pessoas a serem mais racionais, a "caírem na real" como diriam os brasileiros. Como diria o Pessa, "e esta, hein?!". Não queremos saber? Não interessa? Não vende.
Outras vezes é o zelo a mais que pode causar os problemas. Quem toma o pequeno-almoço acompanhado pelas notícias televisivas dificilmente escapa a uma dose sobre doenças e saúde. Os três canais generalistas esforçam-se por, todos os dias, ter lá um especialista que o alertará para uma doença cujos sintomas às vezes nos são familiares. Se a estes somarmos os programas durante o dia, em que me dizem a "doença também pegou", há novas e velhas doenças para todos os gostos. A recomendação é sacramental: cuide-se. A intenção é a melhor. Mas como o tempo é limitado, a explicação é simplificada e tudo o que se retém é a necessidade de fazer diagnóstico. Vai daí, dizem-me amigos e leitores, médicos em centros de saúde que, cada vez mais, são visitados por doentes que, quando entram no consultório, não se queixam de nada. Apenas querem que lhe prescreva o exame tal ou tal. "Ouvi na televisão!". Médicos contra médicos: quem recusa é o mau da fita. Embora seja quem está a salvar o serviço nacional de saúde! Os jornalistas e os médicos que vão à televisão, certamente, nunca viram o problema nesta perspectiva. Mas talvez devessem...
Se estes exemplos se focaram na Comunicação Social, um instrumento demasiado poderoso para ser pensado de uma forma integrada, a verdade é que os políticos também têm de ajudar. Na Associação Comercial do Porto, Passos Coelho teve a franqueza de se declarar não regionalista mas, como todos os outros PM antes dele, sublinhou o seu fervor descentralizador. Foi este empenho que fez de Portugal um país exemplar, em que a subsidiariedade e a proximidade poder-eleitores são regra e inveja por essa Europa fora. A forma como Ricardo Magalhães foi afastado da Estrutura de Missão para o Douro é disso prova. Exonerado pelo secretário de Estado, sem qualquer avaliação ou justificação pública, curto-circuitando a CCDRN e fragilizando a sua sucessora, uma técnica experiente que assim perde a ligação à entidade regional e à região. Disse descentralização?