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Mais de dois anos volvidos do referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia é relativamente seguro concluir que os ingleses geriram o processo com a ponderação de um esquizofrénico e a dedicação de um obsessivo-compulsivo. A tal ponto que, em vésperas de o divórcio se tornar efetivo, ensaiaram uma derradeira tentativa de delegar em Bruxelas o peso da responsabilidade do monumental falhanço britânico. O que, convenhamos, é de uma perversão e cinismo assinaláveis, porque assenta na lógica de que se a intransigência europeia se mantém inalterável (como deve ser) se torna admissível vender ao eleitorado que o caos que se seguirá a uma saída sem acordo poderá ser imputado aos 27 parceiros. Tese que só assiste os ignaros. Que parte do não é que não perceberam? Recuemos. Em 2016, Londres disse ao Mundo o que queria: sair da União Europeia. Depois, avisou o Mundo que estava com dúvidas (na verdade, foi percebendo de forma dolorosa a trapalhada em que se tinha metido). Num ato desesperado, o Mundo viu então a primeira-ministra Theresa May tentar, sem efeito, que o Parlamento aprovasse o acordo que alcançara com Bruxelas. Correu-lhe mal. Mas May tem mais vidas do que um gato e, uma vez chumbado o plano inicial, convenceu uma maioria parlamentar a votar um plano diferente do que tinha acertado, na esperança de que Bruxelas aceite uma solução que ela sabe que vai ser rejeitada. É como tentar enganar a sombra.
Portanto, é neste ponto que estamos: Londres quer dar uma segunda oportunidade à relação fazendo de conta que não sabe que o parceiro já assinou os papéis e tirou os móveis de casa. A incapacidade britânica em lidar com este trambolhão histórico não é só um sintoma de autismo político. É a consequência natural de uma indisfarçável entropia. Os ingleses não sabem como sair porque nunca deviam ter saído.
*Diretor-adjunto