Parece que da Comissão Europeia veio um ligeiro puxão de orelhas a Mário Centeno: o esboço de Orçamento para 2020 revela a tentação de infringir em algumas décimas o que diz o Pacto de Estabilidade e Crescimento (o PCP, bastante mais experiente em "agit-prop" que os comissários, chama-lhe pacto de agressão).
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Por um lado, dizem os eurocratas, a dívida desce devagarinho, por outro, o défice estrutural tarda em chegar a zero. Poderia dizer-se, a propósito destas pungentes preocupações de Bruxelas, que está tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
O tom é manso - até porque o líder do Eurogrupo é português e já saímos do lixo -, mas o aviso soa ao mesmo: continuam a viver acima das vossas possibilidades, não se ponham a gastar em copos e mulheres. Ou seja, aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, se preciso for, continuarão a faltar médicos, enfermeiros e demais funcionários, com as urgências a fechar à noite, e o tempo de espera para uma consulta ou cirurgia (incluindo em doentes com cancro) a crescer.
Os pais dos 20 mil alunos que, dois meses depois do início das aulas, continuam sem professores, que ponham também os corações ao alto. O problema está no facto de haver muitos horários incompletos que ninguém quer. Percebe-se porquê: são apenas oito horas de aulas por semana e o salário líquido é inferior a 400 euros. Não dá para pagar a renda de casa do professor deslocado, quanto mais para comer. Escusam igualmente os trabalhadores precários de esperar qualquer folga por parte das Finanças.
Os chefes do Fisco equivocaram-se e deixaram uns tostões a mais em bolsos coçados, mas já corrigiram: é para devolver. Se já o gastaram, peçam emprestado. Estamos no tudo por tudo pelo défice de 0,1%. Não interessa que isso não resolva nenhum problema. É mais um recorde e mais um golo de belo efeito para o Ronaldo do Eurogrupo. Muito mais importante do que a Saúde, a Educação ou a vida precária de um precário.
*Chefe de Redação