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Daqui a dias, o regime assoma à varanda dos Paços do Concelho de Lisboa para celebrar-se a pretexto do “5 de Outubro”. Faço a mesma pergunta todos os anos. Vale a pena comemorar a República? Não vale. O que se sucedeu ao 5 de Outubro de 1910 foi a história de uma tirania pura, centrada e liderada pelo velho Partido Republicano Português, depois Democrático, que, em pouco tempo, conseguiu a proeza de “virar” o “país profundo”, e algumas das suas hostes “moderadas”, contra si.
Pomposas e medíocres, arrivistas e oportunistas, melancólicas e dramáticas furiosas, as notabilidades republicanas arrasaram às suas próprias mãos o que “implantaram” e ignoraram o “povo” que supostamente iam servir. Desde o início, nunca existiu “ética republicana”. António Costa é, em 2023, o herdeiro mais evidente do irrealismo demagógico da I República, o PS o seu PRP e o exercício medíocre do poder político a sua declinação contemporânea. Explora-se, como então, uma fantasia sem alternativa aparente, dourada por uma eficiente máquina de propaganda.
Extraordinário, tanto mais quando podemos dizer de António Costa o que o doutor Salazar disse de Afonso Costa: “fosse o dr. Afonso Costa um vulto nacional”. Não é, mas está, ameaçando, tal qual Salazar, nunca deixar de estar. Por isso a “República” acabou como acabou. Com outra ditadura. Ser republicano - e sou visceralmente republicano - é outra coisa. É, por exemplo, eleger o chefe de Estado e conceder-lhe poderes de liderança institucional e política do regime. É claro que a monarquia já não se recomendava naqueles idos de Outubro, nem ainda agora se recomenda a quem quer que seja. Contudo, aquele folclore melodramático, que cessou às mãos da tropa em 1926, não deve ser confundido com o respeito pelos princípios republicanos no exercício das funções públicas. O Costa “número um” e este Costa “número dois” fizeram evidentemente tábua rasa desses princípios. Afonso alimentou um regime violento, terrorista, atrabiliário, caciquista, intimidatório, a ditadura de partido único, alternada ou juntamente com dois partidos que se viriam a desfazer, todos sem princípios. Acabou exilado em França. António gere uma outra oligarquia, com os mesmos princípios de Afonso (nenhuns), que assaltou o Estado vai para dez anos, e a que se “opõe” uma alternativa dividida e pífia, sem liderança nem autoridade política, com uma vozinha que, aqui e ali, se levanta discretamente sem nunca chegar verdadeiramente a perturbar o sistema. Como o outro, Costa faz o que quer, como quer e até onde o deixarem ir. Não é bem um regime e, muito menos, uma República proba e ética. É o pagode do Costa.
O autor escreve segundo a antiga ortografia