Há casamentos em Portugal que acabam mais depressa do que alguns planos de fidelização nas telecomunicações.
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O sistema de oferta de serviços está assente na venda em pacote, que visa sequestrar os clientes pelo máximo de tempo possível, estendendo os contratos a troco de serviços adicionais (mesmo que deles não precisemos) e tornando praticamente impossível, porque excessivamente cara, qualquer tentativa de resgaste desse matrimónio entre operadora e cliente. As exceções contam-se pelos dedos de uma mão.
O mais recente relatório da OCDE sobre o ecossistema digital português é um retrato arrasador e esquizofrénico sobre o nosso avanço tecnológico, ao nível dos serviços e das infraestruturas, e do nosso retrocesso social, ao nível dos preços (dos mais altos da Europa) e das regras de fidelização.
Não sendo nova, a constatação nem por isso deixa de merecer debate, num momento em que andamos todos com a transição digital na boca, ainda que haja fatias do território que continuem mergulhadas nas trevas, sem um mísero acesso a uma rede de serviços móveis.
Desde 2016 que a lei obriga as operadoras de telecomunicações a alternativas contratuais sem fidelização. Só que a maioria dos consumidores acaba por optar pelos contratos com fidelização, uma vez que a operação está montada para tornar mais atrativa esta oferta em pacote. Podemos dar as voltas que quisermos, mas o consumidor vai sempre escolher a solução mais em conta. E, neste momento, o modelo está desenhado para acumular serviços e subir preços e não para fazer baixar a despesa da esmagadora das famílias, para quem o serviço de televisão, internet e telemóvel é um encargo fixo. Ora, um dos reparos da OCDE tem que ver com os problemas de concorrência no setor (há três operadoras - Nos, Meo e Vodafone), que fazem com que a oferta seja limitada e se torne mais fácil aos players do mercado imitarem as propostas, fazendo alinhar os preços em alta. Está tudo tão bem feito que um estudo recente concluía que apenas um quarto dos portugueses aceitaria pagar um pouco mais para poder ter a possibilidade de eliminar o período de fidelização obrigatório. Ou seja: o consumidor prefere ser prejudicado ao ficar "agarrado" anos a fio a uma marca, para não ser prejudicado no preço final que é cobrado por essa essa marca. A transição digital é um slogan, a transação digital é uma fatura.
Diretor-adjunto