O país das garantias e o do trabalho
Se houve coisa que ficou clara com esta greve geral foi que vivemos num país a duas velocidades: de um lado, uma Função Pública com emprego protegido e onde os sindicatos ainda têm forte preponderância; do outro, o setor privado, que tem de continuar a produzir para assegurar empregos e salários. O paradoxo a que assistimos no dia 11 de dezembro é que foram os trabalhadores do Estado, pouco ou nada afetados pelo famigerado pacote laboral, a tentar paralisar a economia.
Esta circunstância não deixa de gerar estupefação. Mas, sobretudo, confirma a existência em Portugal de um mercado de trabalho dual - que já aqui abordei - caracterizado por uma forte resistência à mudança de quem está "dentro" e, no extremo oposto, pela enorme dificuldade de quem que está "fora" aceder a um emprego ou contrato de trabalho estável. Exemplo flagrante desta discrepância é que, apesar de estarmos num ambiente de pleno emprego, temos uma das maiores taxas de desemprego jovem na Europa e que, neste momento, é três vezes superior à taxa geral do país.
Escamotear esta realidade é não querer resolver problema nenhum. Foi isso que os defensores desta greve geral quiseram fazer, tentando criar a ideia de que existe uma enorme revolta social contra as propostas do Governo, que estas promovem uma qualquer apologia da precariedade ou representam um "retrocesso civilizacional". A verdade é que nem a greve foi um sucesso estrondoso, nem há nenhuma indignação coletiva sobre o assunto, muito menos existe qualquer tentativa de acabar com direitos laborais.
Aliás, das medidas inscritas neste anteprojeto, há várias que até reforçam as garantias dos trabalhadores, como o fim do período experimental em contratos por tempo indeterminado ou o alargamento das licenças parentais. Outras propostas, como a extensão dos contratos a prazo, vão no sentido de reduzir riscos para as empresas e estimular contratações de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração. Ao mesmo tempo, oferecem condições de entrada aos trabalhadores objetivamente melhores do que aquelas que existem neste momento.
É a esta argumentação que o Governo terá de se agarrar nas negociações, não deixando que seja, uma vez mais, o país das garantias a bloquear as mudanças que o nosso mercado de trabalho precisa. Para imobilismo, já tivemos que chegue. Agora, é o momento para atuar.

