1.Zapatero decide cortar na despesa pública e baixar o vencimento dos funcionários públicos; uns meses depois, Sócrates toma a mesma medida.
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O primeiro-ministro espanhol percebe que os mercados ainda não estão satisfeitos e opta por tornar mais baratos os despedimentos; o homólogo português segue-lhe as pisadas, umas semanas depois. Em Espanha preparam-se para aumentar a idade da reforma dos 65 para os 67 anos; Sócrates promete, em Bruxelas, tomar as medidas "que as circunstâncias impuserem". Ou seja, se o juro da dívida pública continuar elevado, não tardará muito e seremos também nós, portugueses, obrigados a trabalhar mais uns anos a troco de pensões mais baixas.
Mas pode sempre acontecer um milagre, e é também essa crença sobrenatural que distingue o nosso Governo do espanhol: por estes dias, a mensagem é a de que países como a China, a Líbia, a Indonésia, os Emirados Árabes, Singapura e Brasil nos poderão emprestar os quase 46 mil milhões de euros de que vamos precisar em 2011. Como se algum destes estados - a maioria com reputação bem pouco recomendável - estivesse disposto a financiar um país falido a troco de nada.
2. Estava frio, tinha acendido a lareira e o olhar cruzou as prateleiras, fixando-se num pequeno livro de Fernando Pessoa. Nunca tinha lido a Mensagem, tinha vinte ou trinta minutos de sossego pela frente, algures entre o fim do dia e o tempo de fazer o jantar. Não era tarde e as páginas não eram muitas.
Aconcheguei-me no calor e fui percorrendo a epopeia, sem grande sobressalto, mesmo quando passei pelo "Mar Português". Na verdade foi só no fim que me senti algo atordoado. Fernando Pessoa afinal teria sido, para além de poeta, um visionário capaz de prever o futuro? Conheço-o mal, mas, posto de lado o misticismo, presumo que tenha sido apenas alguém que captou com nitidez aquilo que fomos, somos e porventura seremos.
O "Nevoeiro", que assim se chama o texto com que fecha a Mensagem, é o retrato perfeito do estado de descrença em que sempre estamos. No tempo dele, como no nosso:
"Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!