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O que nos leva hoje a frequentar o Ensino Superior? O que procuramos quando nos matriculamos em determinado ciclo de estudos? A resposta mais coerente deveria ser: conhecimento científico e competências práticas em determinado campo do saber. Acontece que frequentemente o que aí se busca é um título académico. Que se exibirá num curriculum que, muitas vezes, se revela um pálido reflexo daquilo que somos. E como o percurso universitário pressupõe trabalho e exige tempo, há sempre quem arrisque encurtar caminho. Para esses, a penalização deveria ser exemplar.
Nos últimos anos, o espaço público mediático multiplicou notícias de pessoas com notoriedade pública que aldrabam o seu percurso universitário. Os atalhos são diversificados: plágios de trabalhos em dissertações científicas, obscuros processos de equivalências, próteses fictícias no CV, títulos académicos inventados... O país político parece particularmente tentado a seguir essas vias. E isso não deveria ser desculpado ou estrategicamente retirado da discussão pública. Em casos de suspeita de fraude académica, é preciso apurar tudo. Com rigor, consequência e em tempo útil.
Comecemos pela exibição do título académico. Sempre foi para mim enigmático o gosto de algumas pessoas em exibir um grau de doutor. Que, por vezes, nem possuem. Na dúvida, todos achamos que será melhor tratar alguém por doutor. Mesmo não o sendo, o agrado será garantido. Por isso, é recomendável não arriscar o tratamento por senhor que, em determinados contextos, poderá até ser lido como uma ofensa... Também qualquer pessoa que colabore com um curso do Ensino Superior passa a ser professor, mesmo que não possua qualquer qualificação adequada para o efeito. Quanto menos formação se tiver mais vontade há em ostentar um grau, naturalmente sempre acima daquele que se tem. É impressionante.
Num país que parece ser de doutores, será normal a ambição de não ficar excluído de tão amplo grupo. E se há aqueles que aí chegam por trabalho, outros há que tentam contornar as regras de progressão académica. Não se trata de um fenómeno recente, mas os prevaricadores apuraram metodologias que, no entanto, convergem num ponto: a mentira. É um facto que a Reforma de Bolonha, ao agilizar licenciaturas, mestrados e doutoramentos, em muito contribuiu para alargar vias de acesso levando uns quantos através de margens muito duvidosas. Também é verdade que a expansão da oferta e da frequência do Ensino Superior, embora muito necessárias ao país, acabou por empurrar o sistema para uma lógica de crescimento mais focada na quantidade do que na qualidade. É igualmente verdade que o ensino privado acentua estas tendências. Neste contexto, não será difícil ludibriar processos já de si tão dilatados em termos de obrigações. Para que tudo isto reconquistasse algum rigor, seria necessária uma reforma profunda do Ensino Superior. Que não parece possível no atual contexto. Porque há métricas para alcançar numa disputa que se faz à escala global.
Todavia, se esta transformação e difícil, exige-se máxima responsabilidade no cumprimento das regras. Ninguém pode ter uma aprovação numa unidade curricular de uma qualquer licenciatura sem cumprir os requisitos mínimos do programa fixado. Também não deveria ser permitida a concessão do grau de mestre a quem não tem um relatório ou uma dissertação devidamente estruturados e redigidos com uma manifesta correção gramatical, o mesmo se aplicando às teses de doutoramento. Os professores universitários têm o dever de zelar pelo cumprimento destes requisitos. Porque deles depende a qualidade de uma geração com formação superior.
Claro que há sempre aqueles que procuram furar pelos interstícios das regras. São os chamados chicos-espertos. Ninguém os consegue eliminar, mas é possível travá-los. Chocante é quando nesse grupo se integram pessoas com responsabilidades públicas. Aí, nenhuma desculpa é possível. Menos ainda a permanência nos lugares de relevo que ocupam. Porque ninguém pode gerir a vida pública com tamanha infração do sistema.
* PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO