No extremo nordeste da Argentina, nas terras do Puerto Iguazú, os Mbyá-Guarani veem suas casas avizinhadas por hotéis de luxo.
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As terras tornaram-se disputadas por empreendimentos das pessoas brancas que nunca ali viveram, não cresceram na sabedoria da floresta, não pressentem sua existência sagrada. Chega a custar mil dólares a estadia de uma só noite. Mil dólares por escassas horas numa região que muitos consideram um dos chacras do Planeta, coisa de que os Guarani nunca duvidaram e, por isso, nunca perigaram.
Os povos originários da grande nação Guarani têm seu vasto território reclamado por vários países, como o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Cada fronteira, na cultura do povo antigo, não significa senão uma invasão, um nome que procura mascarar o verdadeiro sentido da floresta, que sempre existiu para ser esplendor da natureza, abundância saudável, equilibrada, perene, livre, aberta.
É, no mínimo, bizarro encontrar as diversas aldeias dispersas no mesmo parque onde se acede aos hotéis. O portal com ar de resort, a pavimentação aprimorada do caminho, tudo preparado para turista que, por extra, adquire o privilégio de espiar os chamados "indígenas", como se de um zoo humano se tratasse. As aldeias desconvidam dramaticamente à entrada. Placas simples proíbem fotografias e proíbem o avanço sem a companhia de um guia.
Estou com o fotógrafo Rogério Ferrari, que há anos visita a mesma comunidade, procurando produzir memória, incentivando as crianças e os jovens a conhecer o passado guarani e a distinguir perfeitamente a Argentina hispânica do "país" natural a que pertencem. Conheço a professora. Uma mulher ainda jovem que me aponta a construção da pequena escola, a casa mais sofisticada que avisto. Há uma resistência guerreira no ar digníssimo da professora. Tenho a impressão de assistir, diante do corpo breve daquela mulher, à multidão resfolegando de uma corrida de séculos. Intensa mulher esperançada, sua esperança gigante é obrigada a passar pelo mínimo lugar que é a ética de hoje.
Sabemos quase nada acerca dos povos originários. Nós, portugueses, que teremos reduzido os 6 milhões de habitantes do Brasil de 1500 para cerca de 800 mil em 1800, sabemos nada acerca destes acossados, que ainda se procuram proteger das culturas brancas que não param de arrogar propriedade daquilo que invadem. Iguazú, ou Iguaçu, é lugar de uma equação premente. Uma urgência. E julgo que, sim, nos diz bastante respeito.
Escritor