Quem aterrasse em Portugal na última semana depois de uma curta ausência pensaria que Tiririca tinha imigrado para este nosso pobre, mas divertido, cantinho à beira- mar. As declarações que agitaram a semana política nacional não foram, todavia, proferidas pelo famoso palhaço brasileiro que, legitimado nas urnas, chegou à câmara dos deputados de Brasília com uma confortável percentagem dos votos e com um slogan que diz quase tudo de Tiririca (e que, eventualmente, dirá alguma coisa dos 'Tiriricas' que nos chefiam): "Pior do que tá não fica".
Corpo do artigo
Dir-se-ia que foi isto mesmo que os portugueses pensaram quando ouviram as peculiares palavras de um quase incógnito António Parada. Dizia o homem que o PS quer pôr à frente da Câmara de Matosinhos a uma pequena TV por cabo que tinha a fórmula para minimizar o desemprego. Como? Simples: acabar com esse ato de autoatestar o depósito da viatura e pagar na caixa o combustível, operação que, segundo Parada, "anula três postos de trabalho", e que, ainda por cima, obriga o cliente a fazer-se à estrada sem que lhe seja desejada "boa viagem". A obsessão motorizada de Parada, como via para a redução da taxa de desemprego, continua: em vez das facilidades criadas pela Via Verde ou pelas máquinas de disponibilização de talões nas auto-estradas, Parada colocava "um funcionário [nas portagens] simpaticamente a dar-lhe uma informação, caso não tivesse GPS, do destino a seguir". Tudo em oposição à existência de uma máquina anódina que rouba empregos e, mais importante do que isso, segundo Parada, "nem obrigado diz" aos motoristas que se fazem à estrada.
Não se sabe qual será o programa político do já anunciado candidato socialista a Matosinhos (que também já defendeu que os jovens apoiados pelo Estado sem aproveitamento escolar deviam ir trabalhar aos 14 anos...), mas num concelho de pescadores que têm de procurar sustento na Galiza ou noutros portos do estrangeiro não será de estranhar que defenda o fim dos barcos a motor. Colocando homens nos remos, poupa no combustível e, de uma assentada, baixa o desemprego.
Bom seria se o 'síndrome Tiririca' tivesse morrido aqui. Mas não. Os companheiros do parlamentar brasileiro na nossa Assembleia da República decidiram esta semana debruçar-se sobre um projeto de resolução com o objetivo, pasme-se, de fazer regressar à televisão o mítico e defunto TV Rural. A iniciativa da maioria de direita, cuja votação mereceu uma abstenção hipócrita de parte significativa da bancada do PS, seria apenas cómica se não abrisse um precedente perigoso e inqualificável relativamente à independência dos meios de comunicação face ao poder político. A partir de agora, as interferências não são mais veladas e não estranharemos se, um desses dias, alguém em São Bento se lembrar de sugerir, em nome do serviço público, a recuperação das Conversas em Família. Explicar o regresso aos mercados num tom paternalista e intimista é tudo o que os portugueses precisam por estes dias. Até porque, neste momento difícil da vida nacional, pode-nos mesmo acontecer uma coisa que não lembraria sequer a Tiririca, mas que passou pela cabeça do presidente do BPI. Aguentar e voltar a aguentar porque, se os sem-abrigo aguentam viver na rua e se "somos todos iguais", qual o problema de vivermos nas ruas a ver os lucros do banco de Ulrich a ascender aos 249,1 milhões de euros?