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José, 64 anos, pequeno empresário, fechou o negócio em 2013 "para não ficar a dever nada a ninguém". Um ano depois, não fosse o apoio da Cruz Vermelha e estaria a "passar fome". Foi a mulher de José quem primeiro perdeu a vergonha, ele foi atrás. "Não sei pedir. Fui sempre eu que ajudei os outros". Uma história contada enquanto tentava manter os olhos enxutos, como escreveu, aqui no JN, a jornalista Ana Correia Costa.
Vítor, 32 anos, perdeu o emprego na construção civil. Ele e mais 100 companheiros. Tem quatro filhos adolescentes em casa, o mais velho com paralisia cerebral. Quem lhe mata a fome, a ele e à família, é a Cáritas. "Às vezes venho, mas custa-me. Nunca fui disso. Mas venho pelo bem dos meus filhos". Esta noite, graças ao cabaz que lhe deram, terá bacalhau para a ceia. E chocolates para dar aos filhos como única prenda de Natal, contou à jornalista Ana Peixoto Fernandes, aqui no JN.
Num esforço adicional de combate ao flagelo da fome, as câmaras de Viseu e Sintra abriram este Natal as cantinas escolares aos pais e aos irmãos mais velhos dos seus alunos, assim garantindo "a única refeição quente a que têm acesso"; em Matosinhos, foram criados espaços discretos para que a vergonha não impeça os rapazes e raparigas do Ensino Secundário de se alimentarem; em Valongo, além do almoço, as cantinas escolares abrem-se às famílias à hora de jantar; cenários que se repetem um pouco por todo o país, como descreveu o jornalista Paulo Lourenço, aqui no JN.
"O país está melhor", disse Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro, a 21 de fevereiro de 2014, perante os crentes reunidos em Congresso. Reconheceu que se pagou "um preço elevado", mas, como sempre, não se alongou. Era mais importante falar da descida do défice estrutural e da taxa de desemprego. Arremessada há dias e exatamente nove meses depois de Passos, retenho uma outra frase, de José Machado, responsável da Cáritas de Viana do Castelo, que resume o preço elevado que muitos estão a pagar: "A fome veio para ficar".