Foi a novidade da semana no espaço televisivo nacional. Pela primeira vez o primeiro-ministro acede a participar num formato em que, à americana, um conjunto de cidadãos o interpela diretamente sobre a sua governação.Gostei que tivesse sido a RTP a inovar. Correu um risco mas porque tentou informar melhor procurando ceder o espaço de intermediação que pertence a qualquer órgão de Comunicação Social. Ao fazê-lo, honrou a sua condição de concessionária do serviço público de televisão.
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Correu bem? Sentimo-nos mais bem informados? Só as audiências responderão à primeira pergunta.
Quanto à melhor qualidade da informação a resposta tem de ser ponderada. Na verdade, terá de haver uma aproximação progressiva entre governados e governantes. No programa, o povo perguntava pela vida e o primeiro-ministro respondia com enunciado de políticas e programas ou com a necessidade de diminuir o efeito estufa. Tudo, claro, a reboque do tempo curto e pressionante.
No entanto, foi diferente. Por mais preparado e calculado que tudo tenha sido, o enfrentamento foi mais real do que os duelos enlatados que nos servem diretamente do ar rarefeito dos estúdios. Vale a pena insistir, criar o hábito, repetir o formato com alguma regularidade. De certeza que nenhum de nós perderá a oportunidade de perguntar e fará por merecer.
E talvez quem responde explique o que podemos fazer para sermos mais, em vez de se esconder atrás da dimensão europeia da baixa de natalidade, ou apresente propostas para uma política de preços no combustível que vá para além da demissão perante o mercado, ou mantenha a esperança dos jovens que querem começar um projeto não os aniquilando com o anúncio de uma nova geração de fundos comunitários onde os projetos têm de ter sucesso à partida porque nada mais será como dantes, ou encontre uma razão de ser para a nossa vida coletiva que passe pela vontade de crescer e não pelo eterno "vamos ter de diminuir o défice".
Mas, digo e repito. Foi mais saudável e foi muito importante ter sido ensaiado pela televisão pública.
Curiosamente, ou não, o programa foi para o ar no exato dia em que, mais uma vez, um governante apresenta a enésima proposta de reestruturação da RTP e de redefinição do serviço público e respetiva contratualização.
Não se sabe ainda muito. Apenas saltaram para a Imprensa as habituais "constatações" de pessoal a mais, a ameaça de redução de financiamento, a desafetação da produção própria numa perspetiva de privatização parcial da empresa e a eterna promessa de reforço do núcleo da RTP Porto, agora cavalgando a especialização produtiva industrial do Norte e as relações que por via das exportações mantemos com o Mundo a que se junta uma putativa declinação regional dos conteúdos da RTP Informação (se bem percebi).
Pode ser. Mas o país pergunta:
- que valor simbólico tem a marca RTP para os portugueses?
- que preço estamos todos dispostos a pagar pela sua manutenção ativa?
- sabendo que não atuará em condições de igualdade com a concorrência?
- num mercado publicitário muito pequeno e estagnado?
- e sempre condicionada pela "supervisão" estatal?
- que objetivos queremos mesmo atingir com a RTP no seu todo?
- e nesses, que papel lhe atribuímos por exemplo no desenvolvimento dos territórios?
- e das comunidades?
- as de dentro e as de fora?
- e da língua portuguesa?
- e sabendo as respostas, há mesmo gente "a mais"?
- que valor tem o conhecimento e o investimento acumulado em produção?
- vamos ou não pagar mais caro, terciarizando?
- nem que seja aos mesmos agora "lucrativos" nas mãos de privados?
- e quando falamos em "núcleo de criatividade" esperamos o quê?
- que não precise de investimento contínuo?
Longe de mim pensar que o texto que agora se irá conhecer para formalização do novo contrato de concessão não tenha partido de perguntas como estas e não seja, de facto, o resultado das melhores respostas que se encontraram.
Mas espero sinceramente que se perceba que assim foi e que, para variar, seja um guião plausível para um projeto que é importante de mais para ser permanentemente um tubo de ensaio nas mãos de sucessivos governantes e administradores.
Por respeito à RTP e, sobretudo, aos que lá trabalham.