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Acreditem que ele está lá, mas não existe. Ou se existe, é como se não estivesse lá. É enquadramento, paisagem, figura de estilo, casa de férias, a terra dos meus avós, a propriedade que ficou de herança, o caminho para Espanha, o deserto, a gente tão típica, os de lá de cima, os de lá de baixo... Eles não formulam desta forma, mas é a isto que, com a sua atitude, muitos governantes e políticos portugueses reduzem o país que fica para lá da capital.
Um país que está lá, mas que para eles não existe, pelo menos no que respeita à presença de instituições do Estado e às escolhas que são feitas de investimento. O último de uma longuíssima série de episódios de esquecimento e desprezo é a saída da Agência Europeia do Medicamento (EMA) do Reino Unido que o Governo de António Costa decidiu, desde a primeira hora, que não seria uma candidatura de Portugal mas de Lisboa.
Não vale a pena argumentar que deveríamos deixar de ser o contrário dos restantes países da Europa, onde há muitos organismos públicos fora das capitais. Não vale a pena lembrar exemplos anteriores de países em que as cidades competiram para que fosse escolhido o local onde ficariam as agências europeias que albergam. A presidente do Infarmed foi categórica: "É preciso uma infraestrutura hoteleira enorme, um aeroporto com capacidade, escolas, jardins de infância de língua estrangeira". E onde é que há isso? Em Lisboa.
Mesmo que isso fosse verdade, e não é, deveria ser um sinal de alerta para o país que temos que pelo menos a segunda cidade do país não reunisse essas condições. Mas o que impera é o mesmo conformismo centralista que aceita que a sede da AICEP seja formalmente no Porto (é o único organismo fora da capital?), mas que o seu presidente esteja em Lisboa e que mesmo na sua página na Internet seja a morada da capital que surge antes da suposta sede.
Por isso, bem pode o Governo continuar a enumerar dezenas de medidas do seu Programa Nacional para a Coesão Territorial (a maior parte delas dependentes da iniciativa de regiões já exangues) que ficará para sempre com a mancha de não ter tido a coragem política para um gesto com a dimensão de colocar a EMA fora da capital.
E mesmo que saibamos que este é um jogo viciado, com resultado definido à partida, os políticos locais e metropolitanos fazem bem em protestar, nem que seja para lembrar que podemos continuar a não existir, mas pagamos os mesmos impostos e deveríamos ter os mesmos direitos de quem vive na capital.
* SUBDIRETOR