Era uma vez, num reino muito distante, um destemido príncipe de origem curda, que vivia num bonito palácio, em terras de Cais do Sodré: o Palácio do Kebab.
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O príncipe Mustafa Kartal era adorado pelo povo, porque alimentava as gentes do reino com as melhores carnes grelhadas a preços simpáticos. Reinava a paz e a harmonia, pelo menos até 25 de abril de 2015. Pelas sete da manhã, um bando de 20 salteadores invade o palácio, em busca de comida, ouro e sangue. O príncipe defende-se como pode, afugentando-os com a sua espada, vulgo espátula de cortar kebab. O momento foi registado em vídeo e o príncipe foi, durante algum tempo, considerado um herói.
Falta acrescentar a esta história duas personagens: o foragido Rei e o seu conselheiro, Roque, emigrados no Brasil, seguindo uma tendência criada por outras casas reais, e divulgada pela secção de "lifestyle monárquico" da revista "Hola". Numa pátria sem Rei nem Roque, começaram a registar-se as maiores injustiças. Certo dia, o carteiro bateu à porta do Palácio. Sim, felizmente, nem todos os habitantes do reino tinham aquele hábito irritante de entrar sem bater. Ou melhor: de não bater à porta, para bater depois em tudo o que mexa. Mustafa leu, com espanto, a carta do tribunal, que exigia que lá se apresentasse, para responder pelo crime de homicídio na forma tentada e detenção ilegal de arma... Por momentos, ainda pensou que os CTT pudessem ter feito confusão com o Mustafá do Sporting... Mas não. Relembremos os acontecimentos de 25 de abril, dia da revolução no Palácio do Kebab (mais uma a juntar à Primavera Árabe): Mustafa viu 20 gandulos, acabados de sair de uma festa africana na discoteca Place, invadirem-lhe o restaurante, que ainda nem estava aberto. Mas pronto, quem nunca teve uma fome incontrolável depois de sair à noite? Podiam ser apenas fregueses mais impetuosos, a confiar demasiado naquela lengalenga de o "cliente tem sempre razão". O pior é que a invasão incluiu pedradas, garrafas pelo ar, assalto à caixa registadora, murros, um pontapé nas costas de Mustafa, e ainda um tiro felizmente menos certeiro. Vem um curdo para Portugal para aturar isto! Mas Mustafa seguiu com a sua vida e não pensou mais no assunto. Aliás, ter sido abertura de telejornal foi uma manobra de marketing de guerrilha involuntário (rói-te de inveja, David Carreira!) que tornou o restaurante muito mais famoso, obrigando-o a contratar mais empregados. Ou seja, o bando que provocou os desacatos, e que tantos acusam de não fazer nenhum, só porque estavam a sair de uma discoteca à hora do meu segundo pequeno-almoço, foi responsável pela diminuição do desemprego em Portugal. Já mereciam um louvor do presidente da República! Isso talvez não consigam, mas já levaram Mustafa à barra do tribunal, porque fizeram queixa dele. Sim! Provando que têm de facto muito tempo livre e pouca coisa com que se entreter, foram à Polícia apresentar queixa. Imagino o teor da coisa: "Estávamos a assaltar o restaurante quando o dono, sem mais nem menos, nos atacou".
Não deixa de ser curioso que a arma de Mustafa seja considerada ilegal. Sempre achei que isso seria competência da ASAE, fiscalizar colheres de pau e espátulas de kebab. É que se é preciso ter licença de porte de utensílios de cozinha, aviso já que vivo mergulhada na ilegalidade. A começar na faca do pão... O Ministério Público diz que Mustafa sabia que a espátula causaria "especial perigosidade para a integridade física do ofendido". Normalmente, quando se quer afugentar um meliante, é o que se faz. Podia ter tentado com o livro de reclamações, mas à partida não seria tão eficaz! Se estivéssemos a falar de uma discussão no trânsito, e Mustafa tivesse sacado do seu facalhão das carnes, entendia a acusação. O homem limitou-se a usar o seu instrumento de trabalho. E os agressores também: usaram uma arma de calibre 7.35mm que, parecendo que não, é menos versátil. Só dá mesmo para uma função, não dá para fatiar finamente borrego. Aquando do assalto, Mustafa confessou que ainda não tinha contado nada à mulher e aos filhos, que viviam em Istambul. Espero que não lhes conte agora desta batalha legal, senão eles vão achar que é melhor irem todos para o Curdistão, viverem felizes para sempre.
20 VALORES
Para Paulo, o proprietário de um alojamento local em Matosinhos, que instalou uma câmara na casa de banho, entretanto descoberta por turistas malaias. Já se sabe como são os asiáticos com as tecnologias (quando a generalização serve para elogiar não se considera racismo, pois não?). Paulo, no seu perfil de Airbnb, diz que gosta de ver filmes e de bricolage. Faz sentido: são os filmes dos hóspedes a tomar banho, que consegue filmar graças à sua obra de bricolage por cima do lavatório. Estranho fetiche, este. Se há coisa que pagaria para não ver, é gente no WC.
* HUMORISTA