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A Igreja católica acaba de eleger um Papa de cujo perfil constam alguns sinais distintivos que podem marcar uma nova relação dos poderes com as elites. Independentemente das convicções de cada um de nós, se há algo de que possamos todos aproveitar das religiões, seguramente que o conjunto de sinais virtuosos que emergem dos atos simbólicos como o da eleição de Francisco é um deles.
Esses sinais são os de uma prática social tão simples quanto concreta que não ignora que, apesar de Deus, não nascemos todos iguais. Mesmo! Em resumo: um Papa ligado aos assuntos sociais da chamada Igreja dos pobres, que não se deixou confinar aos muros da sua igreja, usando os transportes públicos, indo ao encontro dos mais infelizes dos subúrbios de Buenos Aires ou até aos estádios de futebol e escolhendo mesmo ser sócio do San Lorenzo de Almagro - um transtorno para intelectuais inorgânicos e políticos cabotinos se fosse português... -, que se definiu como um entre irmãos, que não quis colocar sobre os ombros a capinha de brocados e ouros que os papas costumavam usar na linha da tradição dos imperadores e que antes de iniciar o seu magistério teve a humildade de pedir ao povo que rezasse por ele.
A imagem, os gestos e as palavras de Francisco valem por si mesmos, mas a eleição de Jorge Mario Bergoglio poderá representar bem mais que a evidência das virtudes pessoais do cardeal argentino.
Perante os escândalos em torno do dinheiro gerido pela Cúria e do comportamento social de algum clero, não será um acaso que o Papa Francisco venha do Hemisfério Sul, a metade da Terra onde subsistem as maiores manchas de pobreza e fome, mas onde também vivem 60 por cento dos católicos. Como não deverá ser apenas sorte que ele tenha escolhido ser padre jesuíta, uma das congregações historicamente avessas a desempenhar cargos e menos ainda a receber honrarias terrenas.
Por sobre estas circunstâncias, não é menos sedutor pensar que, em período de crises profundas (a do Estado do Vaticano, a económica e financeira do mundo ocidental mais rico ou a global geradora de guerra, morte e fome), a Igreja tenha recorrido à parte da sua elite que melhor poderá defender princípios e valores éticos relativos ao uso do dinheiro e do poder.
Francisco será ele próprio seguramente, mas não deixará de ser um padre jesuíta - esperemos. O que, nos termos da história da maior congregação da Igreja, significa trabalhar a fé através dos saberes e das culturas. Ora, neste momento em que estão em causa as dimensões e os deveres do Estado, vale a pena recordar que já no século XVI a principal atividade dos jesuítas era a de educar gratuitamente.
Afinal, seguir a Igreja e recuperar a parte ética da sua elite talvez seja o desafio da democracia política.