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O Papa Francisco não se cansa de falar da urgência do combate contra a economia de exclusão e a cultura do descarte e da morte que, em sua opinião, caraterizam o atual estado do mundo. Este estado do mundo que o Papa tanto e tão regularmente tem criticado em palavras claras e firmes - e sobretudo moralmente inatacáveis - é, como todos podemos entender, o mundo gerido através de equações financeiras especulativas que ultrapassam em grande escala as premissas da acumulação do lucro consagradas no capitalismo primário. Equações que geraram uma deriva mundial, à qual não resistiram os próprios regimes políticos democráticos da Europa, em princípio os mais preparados em valores humanos, mas que nesta crise retroagiram mais do que estiveram na vanguarda da guerra inevitável aos cartéis mafiosos que conseguiram agrupar-se até em estados-nações, podendo, assim, legalizar o crime e infiltrar "moeda falsa" nos circuitos financeiros do capital limpo, alterando-lhe o valor facial e a própria equação da sua velocidade de circulação.
Podemos estar certos de que é disto mesmo que fala o Papa Francisco, infelizmente sem reflexo algum nos discursos que os candidatos às próximas eleições europeias, mais aplicados em explicar a enorme crise que nos bateu à porta com sucessos e falências das políticas dos estados-membros do que propriamente em encontrar as razões pelas quais a União Europeia deixou de ser a vanguarda mundial do desenvolvimento e do bem-estar social.
Sobram, assim, os remoques entre despesistas e austeros e faltam debates sérios sobre como incentivar a demografia ou abrir a Europa ainda mais a povos de paragens com altas taxas de natalidade e poucos recursos disponíveis, incluindo os básicos, ou mesmo atingidos pela fome. Ou, então, como regular a gula dos lucros gerados em transferências de tecnologia para países sem o modelo social europeu, ou mesmo ditaduras sanguinárias, cujo refluxo é o da concorrência desleal no quadro do comércio mundial.
Nada disto é novo, apenas se agudizou, tornando mais evidente a urgência de combater pela causa da liberdade, da solidariedade e do bem-estar contra a velha e relha tese liberaloide com que os egoístas mais refinados costumam desculpar-se a si próprios e aos políticos negligentes sobre uma pretensa maldição da cor do dinheiro. Ou seja: porque o dinheiro não tem cor, não teríamos modo de prevenir o crime que gera a moeda falsa, a acumulação ilícita do lucro, a desvalorização forçada do preço do trabalho e, finalmente, o regime do salve-se quem puder.
A abundância dos argumentos esgrimidos em torno das políticas praticadas neste nosso velho estado-nação será certamente um requisito eleitoral inevitável, mas é pena que a Europa praticamente só se apresente a debate na dialética radicalizante do euro, de ficar ou sair do sistema.