Há certos debates em Portugal tão confusos que já não sabemos sequer o que discutimos e acabamos a discutir o menos importante.
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A nomeação de alguém para elaborar um estudo é comum em inúmeros governos. Foram várias as comissões de estudo que precederam a adoção de políticas públicas (um exemplo de sucesso, entre nós, foi a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde presidida por Jorge Vasconcelos). É aliás sensato procurar encontrar fora dos governos quer conhecimentos e competências adicionais quer uma visão externa, menos prisioneira das pressões políticas do imediato.
O problema com a nomeação de António Costa e Silva para trabalhar num programa de recuperação económica foi, em primeiro lugar, uma questão de perceção. Anunciado como paraministro através da manchete de um jornal assente em "fontes do gabinete do primeiro-ministro", atribuindo-lhe funções de coordenador dos diferentes ministros e responsável das negociações com os outros partidos e parceiros sociais. A ser assim, ele seria até um para-vice-primeiro-ministro...
Uma coisa é aconselhar o Governo, outra, bem diferente, é coordenar ministros e definir a política desse Governo. Esta seria uma transferência do poder para fora do quadro democraticamente previsto. Poderia também conduzir a um outsourcing da responsabilidade política do Governo. Será importante aliás perceber se está a falar em nome próprio ou do Governo. Se é afinal, como deve ser, um mero consultor do Governo, então deve comunicar os resultados desse trabalho ao Governo.
Só poderia ser diferente no caso de uma comissão independente (de que também já tivemos uma boa experiência com o relatório sobre os fogos coordenado pelo professor Guerreiro). Mas, se assim fosse, nem a nomeação nem o trabalho da mesma poderiam ser controlados pelo Governo. Esta trabalharia e comunicaria em total independência deste. É outro formato.
Por último, quando um Governo envolve alguém externo na formulação das políticas públicas tem de ter particular cuidado com a transparência e prevenção de conflitos de interesses. Por ex.: esse aconselhamento não será "objetivo" onde a pessoa possa deter interesses económicos.
Da mesma forma, também não lhe deve ser permitido vir a retirar qualquer benefício económico de uma decisão política para que tenha contribuído ou de qualquer informação privilegiada que tenha obtido. Como demonstra o caso de Diogo Lacerda Machado (que negociou o acordo da TAP em nome do Governo e a seguir foi nomeado administrador da mesma) este é um tema que o primeiro-ministro não parece perceber. António Costa Silva devia ser pago e sujeito a estas incompatibilidades.
*Professor universitário