A três semanas das eleições presidenciais, os candidatos preparam-se agora para a campanha eleitoral, que não deverá ser muito diferente do tempo em que cada um/a percorreu lugares onde capitalizasse mais votos. Para trás fica um intenso período de entrevistas e de debates que nem sempre mostrou o melhor de cada um/a.
Num tempo em que as desordens informativas se multiplicam em vários canais, descobrimos que passámos a necessitar cada vez mais de um verificador de factos. Aceitamos isso com normalidade, mas não deixa de ser surpreendente esse exercício ser aplicado àqueles que se candidatam ao mais alto cargo da nação. Depois de um debate televisivo, vários meios de comunicação social não relatam apenas o que cada um/a propõe para o país, mas mostram quantas "meias-verdades", informações imprecisas e mesmo mentiras descaradas exibiu no seu discurso. Há aqui um paradoxo difícil de ignorar: em teoria, quem corre para Belém deveria ser um exemplo de rigor, transparência e responsabilidade; na prática, começamos a encarar com naturalidade que um candidato a presidente da República falte à verdade.
Outro facto a registar é que, além dos debates, existem outros debates sobre o debate, que colocam em cena um conjunto de comentadores que, quando observados com atenção, nem sempre têm a equidistância necessária para fazer qualquer avaliação. E, com isso, vão criando perceções sobre o que vemos, construindo muitas vezes uma realidade alternativa àquela que nós próprios desenhamos sempre que assistimos a um confronto televisivo entre candidaturas. Trata-se de uma espécie de matrioska mediática: dentro de um debate há outro debate e dentro desse esgrimem-se argumentos com a mesma virulência do principal que se quer analisar. Nesta estrutura circular da opinião em que vivemos, muitas vezes desligada do referente que se tem como base da conversa, os cidadãos correm o risco de deixar de ouvir os candidatos para escutarem comentadores cujas ideias nascem já com um enviesamento considerável.
Neste novo ecossistema mediático, a comunicação política mudou. Muito. Talvez o mais inquietante seja mesmo a nossa própria adaptação a este cenário em que uns falam, outros traduzem, outros desmentem. E todos asseguram estar comprometidos com uma missão: servir o país.
Nos próximos dias, o eleitor ficará decerto com a tarefa menos vistosa e mais exigente: reaprender a ouvir com sentido crítico, lembrando aos candidatos que a palavra pública não pode ser um exercício de retórica sem consequências. Neste contexto, não está apenas em causa quem vencerá as eleições, mas a qualidade da palavra que aceitamos como válida no espaço público. Porque se a verdade precisar sempre de vigilância, o maior sinal de alarme não estará nos candidatos, mas em cada um de nós.
Bom ano!

