A minha mãe mostrou-me o patriotismo mais puro quando me ensinou a procurar o selo de produção nacional no supermercado. Ela, que por acaso nem nasceu em Portugal, é muito patriota: sempre que pode, procura a carne, o peixe e a fruta produzidos cá. E hoje, dia de feira, há de ir ao mercado, à banca da D. Idalina, comprar legumes locais, em vez de os trazer já lavados, embalados em plástico, da prateleira de uma grande superfície, que os vende mais caros, menos saborosos e com maior pegada ambiental. Depois, há de pegar nos sapatos que pedem arranjo e nas calças que precisam de bainha e há de levá-los ao sapateiro e à costureira na mesma rua, antes de passar pela padaria com "os melhores folhadinhos do Mundo", que calha de situar-se em Ermesinde (sorte a nossa).
Esse é o patriotismo que aprendi e acompanho - o que se importa com as pessoas, com os negócios locais, com os produtores e comerciantes da esquina. O patriotismo que não é sinónimo de trincheira, nem de hino nacional. Que não faz eco de um discurso de medo embrulhado numa bandeira verde e vermelha a cheirar a mofo, que só areja nos jogos da seleção, quando "os que vieram para cá roubar os nossos direitos" marcam golo. O patriotismo sem megafone que valoriza o produto do vizinho e faz a economia local circular, em vez de mandar o vizinho circular para outro lado - parecendo que não, é muito diferente.
Recuperado nos últimos anos como slogan político e arma de arremesso, o patriotismo foi sequestrado pelo esquadrão que vê o país como uma fortaleza sob cerco inimigo, trazendo saudade do tempo em que ser-se patriota era apenas encher o peito de emoção ao ouvir "heróis do mar, nobre povo, nação valente". Só que o povo perde nobreza e a nação valentia quando o verdadeiro patriotismo, que não precisa de construir inimigos para se afirmar, é conspurcado e relegado para uma ideia de pureza cultural, étnica e histórica que sabemos nunca ter existido - Portugal sempre foi mistura, travessia e encontro. Essa manipulação tem um custo: transforma o amor ao país numa espécie de ressentimento institucional.
É na prática quotidiana que se exercita o patriotismo silencioso e sem teatralidade: ao privilegiar o comércio local na época que agora espreita; ao participar na vida da comunidade; ao consumir e apoiar a música portuguesa (parênteses para lembrar que o Spotify, que por esta altura faz um apanhado das músicas mais ouvidas por cada utilizador, paga um terço de cêntimo a meio cêntimo aos artistas, por cada faixa reproduzida). E também ao ser obstáculo à ameaça de destruição e privatização do espaço público natural, como nas praias de Troia a Melides, de que empresários ricos (e estrangeiros) tentam fazer-se donos - aceitá-lo sem resistência não será lá muito patriota por parte de quem assim se apregoa.
Talvez esteja na altura de resgatarmos o patriotismo original: o que se pratica e não apenas se proclama. Não o que grita mais alto, mas o que cuida melhor.

