São farinha do mesmo saco - e de calibre indigesto. Ambos conviveram muito bem com os regimes anteriores, que por iniciativa deles não cairiam. Ambos foram estudar economia para o estrangeiro. Ingressaram ambos em duas carreiras no Estado (do tal anterior regime): a académica e a burocrático-bancária.
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Num ponto se distinguiram: um deles ainda farejou no ar a mudança e aderiu à Revolução de Veludo, correndo riscos - pequeninos, mas riscos; o outro não foi nisso, esperando que os corajosos fizessem por ele (e para ele) a dos Cravos. Os dois foram ministros das Finanças, chegaram ambos a primeiros-ministros, os dois encontraram-se já chefes de Estado - uma desgraça nunca vem só.
Ufanos os dois não sei de que milagre económico, diferem nisto: um é fanfarrão, ferrabrás de conversa, provocador; o outro é falso modesto à força de mumificar em esparadrapo o pavão que se lhe quer soltar a todo o momento.
Duas personagens, enfim, que quem as encomendou se sirva, nanja eu - e muitos outros, estou em crer.
Encontraram-se as almas gémeas em Praga e ao anfitrião, casca grossa, deu-lhe para fazer chacota do hóspede perante os capitães da indústria dos dois países. «Fiquei muito surpreendido por Portugal não estar nervoso com o seu défice de oito por cento», disparou Vaclav Klaus, piscando o olho aos empresários checos, já a pedirem linimento para o peritoneu dorido de tanto rirem.
Que fez Cavaco Silva? Avançou com a táctica da tartaruga surda, a que sempre recorre intramuros para fugir a interpelações - e leu o discurso que lhe escreveram, confiante em que, agachando-se, a tempestade lhe passaria por cima. Para mais, Klaus tinha dito a coisa em tom de confidência: «Espero que não estejam aqui jornalistas.»
Mas o checo queria bombo. Voltou com a mesma conversa, em conferência de Imprensa conjunta, provocando Cavaco urbi et orbi. Lembrou que fora ministro e primeiro-ministro e nunca deixaria acontecer um défice assim, patati-patatá. E Cavaco? Ah, esse encheu o peito de ar - para salvar a sua própria pele: que não tinha funções governativas, que era só presidente.
Sobre a consideração devida ao país - embatucou. O país que se safe, como já o fez, do anterior regime e de outras desgraças - sem precisar dele!
Com Ramalho Eanes, Mário Soares, ou Jorge Sampaio não ficaria sem resposta um desaforo destes, nem me deixariam a mim - e a muitos outros, estou em crer - envergonhado de os ter por presidentes.
Já tivemos homens de Estado, amigos. Agora só temos saudades. Eu - e muitos outros, estou em crer.