O pedido de desculpa de Marcelo e os caminhos deste mandato
Ninguém poderá pensar que o presidente da República é insensível ao brutal crime de abuso sexual de padres sobre menores. Porque nenhum cidadão o será e porque Marcelo tem um percurso que comprova inequivocamente a sua solidariedade para com aqueles, sobretudo os mais frágeis, que atravessam momentos difíceis. Ontem pediu desculpas por ter proferido palavras que provocaram interpretações contrárias à sua intenção. Fez bem, embora este caso deva igualmente levar a uma reflexão sobre os caminhos do segundo mandato presidencial.
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Não é comum um chefe de Estado pedir desculpas em público. Tendo tido essa humildade que sempre enaltece quem é capaz desse gesto, Marcelo também sabe que as suas considerações relativas ao número de denúncias de abuso sexual cometidas por membros da Igreja o colocaram noutro lugar que não aquele onde deveria mostrar que está: ao lado das vítimas. Não que o presidente da República não seja solidário com todas elas, mas porque, decerto, se encontraria, naquele momento, em trânsito pelo comentário veloz de vários assuntos do dia ou a tentar acomodar a Igreja num contexto que subtraísse danos que afetam estruturalmente a hierarquia daquela instituição.
No meio do turbilhão de críticas, o primeiro-ministro assumiu uma forte defesa do presidente. Porque conhece o seu lado solidário para com os mais vulneráveis e porque, acima de tudo, está consciente de que, com isso, ganha mais força na relação com Belém. Costa fez o que Marcelo, numa longa entrevista ao "Expresso", confessou ser a sua atual postura em relação ao Governo: "picar o balão e controlar preventivamente a evolução dos acontecimentos".
Neste contexto, o PR deve pensar profundamente o rumo do seu segundo mandato. O modelo do presidente que fala a todo o momento sobre tudo esgotou-se. É claro que ninguém espera que Marcelo mude radicalmente o seu modo de ser. Nem isso seria desejável, porque a maioria aprecia-o tal como é. Todavia, impõe-se mais recato na palavra pública e esperam-se novos caminhos para uma Presidência que se confronta com outros contextos políticos, sociais e económicos. Ontem, em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que as causas sociais são as suas causas. É verdade. No primeiro mandato, fez muito a esse nível. Em público e em privado. Está na altura de intensificar essa agenda e acrescentar-lhe outros temas. Marcelo precisa de criar outro chão para uma magistratura influente, ponderada e de permanente ligação aos portugueses que tão bem soube construir no primeiro mandato.
*Prof. associada com Agregação da UMinho