O pêndulo da transição digital e as ABD
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O pêndulo da transição digital oscila entre a digitalização dos territórios e a territorialização do digital. Esta oscilação é particularmente notória nas áreas de baixa densidade (ABD) e pode pôr em causa as políticas públicas e os programas de ação especialmente imaginados e concebidos para estes territórios tendo em vista quebrar o seu círculo vicioso de desenvolvimento. A este propósito, alguns aspetos merecem ser sublinhados.
1) O pendulo oscila entre territórios com mais e menos infraestrutura digital
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são uma esperança renovada para as áreas de baixa densidade, embora o número de utilizadores potenciais seja sempre reduzido; é justamente nestes casos, especialmente vulneráveis, que os operadores de telecomunicações podem e devem fazer acordos entre si e parcerias com o Estado-administração tendo em vista infraestruturar e equipar estas regiões com os dispositivos tecnológicos e digitais que as transformem em territórios inteligentes e criativos (TIC) com motivos e instrumentos suficientes para atrair visitantes, estudantes, jovens empresários, novas profissões e mais trabalhadores.
2) O pêndulo oscila entre comunidades online e offline
Nas ABD o pêndulo oscila muito entre comunidades com mais e menos inteligência coletiva expressa por uma relação algo atribulada e ml explorada entre comunidades online e offline; as primeiras são geralmente muito recentes e ainda exploratórias, as segundas, mais ligadas ao movimento associativo tradicional, procuram resistir ao definhamento próprio das ABD; está em jogo a chamada força dos laços fracos e em que medida ela pode criar uma hiperligação positiva entre os dois tipos de comunidades inteligentes.
3) O pêndulo oscila entre IES com mais e menos interfaces e networking
Nas ABD o pêndulo oscila muito de acordo com a qualidade das interfaces e do networking que as instituições de ensino superior (IES), universidades e politécnicos, mas, também, escolas e centros de formação profissionais, protagonizam; na verdade, estas IES são uma porta aberta para a inovação empresarial, social e ambiental e só elas reúnem as condições para estabelecer as redes distribuídas e as plataformas colaborativas que podem rejuvenescer o tecido empresarial e inverter o círculo vicioso do desenvolvimento das ABD.
4) O pêndulo oscila entre literacia digital e adição digital
Em todos os territórios o pêndulo oscila entre territórios com mais e menos literacia digital e, portanto, também com doses variáveis de adição digital. Nas escolas do ensino básico e secundário é fundamental que a educação TIC tenha presença obrigatória e permanente e seja considerada como uma nova linguagem de comunicação, conhecimento e cultura, de tal modo que, por paradoxal que pareça, a literacia digital reduza substancialmente a adição digital. O uso abusivo dos dispositivos tecno-digitais deve ser acautelado.
5) O pêndulo oscila entre as artes e as tecnologias
O pêndulo oscila entre as artes e as tecnologias, entre a liberdade criativa e a normalização imposta pelas tecnologias digitais. A poética do espaço e do tempo, na paisagem, no espaço público e na arte pública contrasta com o hibridismo da arte efémera, da arte computacional e digital e, também, da inteligência artificial na produção de certos conteúdos. Por outro lado, a crescente mobilidade de artistas e curadores aproxima as comunidades e a paisagem, ou seja, os jardins do paraíso, as montanhas mágicas, os lugares de peregrinação, as paisagens literárias, as aldeias históricas, os terroirs vinhateiros, o espírito e a arte dos lugares, os vestígios arqueológicos, a toponímica e a história local, podem operar pequenos milagres nas relações entre as artes e as tecnologias e criar uma via aberta para um novo espaço público nas ABD.
6) O pêndulo oscila dentro do sistema operativo de cada comunidade
O pêndulo oscila entre os incumbentes principais no interior do sistema operativo territorial e de acordo com a missão atribuída ao ator-rede das comunidades intermunicipais ou regionais. As comunidades inteligentes (CI), as redes distribuídas (RD) e as plataformas colaborativas (PC) são os principais incumbentes da transição digital desde que haja um princípio de ordem que imponha algumas regras de jogo e impeça o ruído de fundo. O ator-rede é o agente principal do plano de transição digital dentro de cada comunidade territorial, mas, obviamente, o seu protagonismo vai ser muito diferenciado em função do maior ou menor alinhamento de todos os outros fatores já referenciados.
Nota Final
A digitalização de um território é relativamente fácil, pode ser programada, tudo depende do dispositivo instalado no terreno para extrair a melhor informação. Todavia, a territorialização do digital ou, mais criticamente, a reterritorialização de uma ABD a partir da sua desmaterialização tecno-digital é uma operação muito mais longa e um processo muito mais criativo que junta, fora da caixa, todo o colar de pérolas do território, ou seja, o colar formado pelo património e a paisagem, a ciência e a tecnologia, as artes e a cultura, em ordem à formação de novas comunidades humanas imbuídas de um novo espírito do lugar. Dito de outro modo, num país que tem dificuldades em segurar a sua mão de obra qualificada e importa mão de obra indiferenciada e que depende, cada vez mais, da smartificação dos territórios, do nomadismo dos talentos criativos e da colaboração entre plataformas online e offline, é imprescindível que a economia criativa se reinvente, ela própria, pois é necessária muita criatividade e política criativa para convencer os mais jovens de que são possíveis novas cadeias de valor mais ousadas e imaginativas a partir dos seus contributos criativos e inovadores.