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Uma das tendências mais marcantes na cultura atual consiste na intolerância indignada. As pessoas do passado, mais recente ou recuado, são julgadas de forma severa pelos padrões do presente e as do presente são escrutinadas de forma rigorosa por padrões inatingíveis de uma perfeição uniforme em todas as áreas da sua vida. Vem isto a propósito do aumento de livros proibidos nos EUA, algo pouco comum em Portugal.
É verdade que, em 1992, o subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, impediu que José Saramago fosse candidato a um prémio europeu. Em causa estava um livro com um título pouco católico: “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Como sabemos, esse dislate censório não impediu que o escritor ganhasse o Nobel da Literatura em 1998.
A liberdade de ler está “sob ataque” nos EUA, segundo a PEN América, que registou 3362 casos de proibição de livros em salas de aulas e bibliotecas públicas no ano letivo 2022/2023, mais 33% face ao ano anterior. Os autores mais visados são “mulheres, pessoas de cor e/ou indivíduos LGBTQ+”. A organização fala num “clima crescente de censura”, que priva crianças e jovens do contacto com livros e novas ideias.
Esta atitude é apenas um bom exemplo da tal perfeição uniforme em todas as áreas da nossa vida que nos é exigida pelos arautos, mais ou menos assumidos, de uma cultura “woke”. Esta lógica aplica-se tanto ao nível individual como coletivo. E este último aspeto é muito potenciado pelas redes sociais. A sensação de liberdade que temos ao escrever o que pensamos para um potencial público infinito é enganadora. “Queremos todos ser autênticos, ou seja, diferentes. Dessa forma, comparamo-nos constantemente com os outros. É justamente essa comparação que nos faz todos iguais. Ou seja: a obrigação de sermos autênticos leva ao inferno dos iguais”, explica-nos o filósofo Byung-Chul Han. Mais iguais seríamos se vigorasse uma lista de livros proibidos.