Olhar para o que aconteceu na Suíça como um caso isolado é um erro tremendo. O referendo que ditou a vitória, ainda que por um curta margem (50,3%), daqueles que querem impor limites à entrada e permanência de cidadãos dos estados da União Europeia (UE) não é só criação de mentes extremistas: é um problema europeu. Grande. E cortante.
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O resultado é o espelho de um dos maiores perigos, senão mesmo o maior, que a Europa, tal como a conhecemos, está obrigada a enfrentar: a rejeição do outro, do estrangeiro a partir do momento em que perde o estatuto de útil e passa a deter o ferrete de inútil.
O Partido do Povo Suíço (o nome é revelador) foi o grande motor da iniciativa "Contra a Imigração de Massas". Valha a verdade: agora como antes, os seus dirigentes sempre esclareceram ao que vinham. Os imigrantes tornaram-se um fardo pesado: trabalham de mais, "roubam" emprego aos indígenas e, pecado maior, trabalham barato. Um exemplo ajuda a perceber a intensidade destes pensadores: em 2010, propuseram um referendo que visava a expulsão de estrangeiros apanhados a trabalhar fora do normal horário de trabalho...
As eleições europeias estão aí à porta - e este resultado será certamente muito bem recebido nas sedes dos partidos extremistas que, aproveitando a crise económica e política que ataca o coração da União Europeia, exacerbarão ainda mais os discursos nacionalistas, fáceis de ouvir pelos vários milhões de europeus que vivem amargurados num quotidiano que lhes esmaga a esperança e lhes seca o bolso.
Os governantes suíços apressaram-se a criticar o resultado, apesar de o respeitarem (que remédio!). Claro: a Suíça é o país que mais beneficia da livre circulação; a União Europeia é o destino de 55% das suas exportações. São realidades poderosas, estas, mas que não chegaram para convencer os suíços. Não admira: chamados a pronunciarem--se sobre a entrada na UE, duas vezes disseram não.
O que resta fazer? Pegar num canivete suíço e rasgar o acordo que, em 2002, lhes abriu as portas do mercado único europeu, por troca com a livre circulação de pessoas, como ontem ameaçou a porta-voz da Comissão Europeia? Seria olhar para a árvore e esquecer a floresta.
Os responsáveis da UE e de cada um dos governos que a compõem estão obrigados a ler este resultado como uma forte ameaça que pode transformar-se, rapidamente, num decisivo fator de desagregação dessa cola que, uma vezes melhor outras pior, vem permitindo a estabilização de um dos mais fantásticos processos políticos que o Mundo viu nascer e crescer.
O medo, mostra a História, é bom rastilho para grandes desgraças. É preciso combatê-lo com razão, argumentação, ponderação, decisão e, sobretudo, união. Europeia.