Corpo do artigo
Num livro intitulado “Olhando o sofrimento dos outros”, Susan Sontag chama-nos a atenção para a importância de uma ecologia das palavras e das imagens. Por estes dias, em que o debate político se aproxima de um registo insultuoso e em que o maior julgamento português na área financeira colocou no centro da notícia um homem vulnerável física e mentalmente, penso ainda mais no valor daquilo que escutamos e vemos.
Confesso que não me interessa muito saber quantas vezes o primeiro-ministro se reuniu com os líderes da Oposição, nomeadamente com André Ventura, para falar do Orçamento do Estado. Todavia, já considero relevante saber se nesses encontros se discutiram propostas ou desenharam acordos em torno de um documento que, em breve, será votado no Parlamento e determinará a nossa vida (e a do Governo) no próximo ano. S. Bento optou por manter estes encontros sob reserva e, por extensão, o que aí se passou. Todos percebem agora que foi um erro. Num assunto sensível como este, as negociações feitas com forças partidárias opostas comportam sempre (muitos) riscos e Luís Montenegro já compreendeu que precisa de tratar tudo meticulosamente, nomeadamente a comunicação.
Como pouco se fez na altura certa e como Ventura surpreendeu todos numa entrevista televisiva cujas consequências terá calculado bem, o Governo procura agora minimizar danos. Enquanto vários ministros se desdobram em sucessivas declarações para descredibilizar o líder do Chega, o primeiro-ministro optou pelo silêncio, depois de ter falado (bastante) numa entrevista à SIC programada para um tempo em que teria sido prudente estar calado. Nada do que se vai ouvindo é particularmente construtivo para uma democracia que se quer equilibrada e motor de uma cidadania comprometida com o bem público.
Paralelamente a esta agitação política, começou esta semana o julgamento do megaprocesso do BES. Com passos trémulos e com a mão agarrada à da mulher, Ricardo Salgado chega em modo decadente ao Campus de Justiça de Lisboa. Do dono disto tudo, não resta nada. De camisa com colarinhos pouco consistentes e com uma camisola e blusão de marca indistinta, eis um homem diante de nós completamente vulnerável. Também sem memória. Portanto, dispensável a um julgamento que poderá prescindir dele, sem, contudo, prescindir de aplicar as leis a um passado sinistro por ele comandado. Precisamos muito que este processo ganhe velocidade, mas não necessitamos de ver imagens assim que nada acrescentam àquilo que importa que aconteça.
É certo que as narrativas jornalísticas precisam de palavras e de imagens, mas, quando tudo é demasiado excessivo, é importante travar estes caudais que são simplesmente ruído.

