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O ano de 1937 foi complicado para Salazar. Em plena Guerra Civil de Espanha resistia às insistências dos Aliados de fiscalizar o território nacional para desencorajar o apoio nazi a Franco, enfrentando internamente forte oposição armada.
No fim de Janeiro rebentam várias bombas em Lisboa na Emissora Nacional, Rádio Clube Português e Embaixada de Espanha, numa ruidosa contestação ao apoio a Franco. Depois disto houve um período de recolher obrigatório. Quando a Rússia propõe o boicote naval dos portos portugueses Salazar adopta medidas para salvaguardar os fornecimentos de mercadorias críticas.
É assim que entre a crise internacional e a instabilidade no país, Salazar redige e faz aprovar a sua Lei do Petróleo. Era uma norma simples feita para um mundo a preto e branco. Dizia que Estado tinha total autonomia na "importação, armazenamento e tratamento industrial dos petróleos brutos, seus derivados e resíduos" e pouco mais.
Para a altura chegava. Dias depois da Lei do Petróleo entrar em vigor, Guernica foi bombardeada. Churchill ganhou as eleições. O mundo voltou a explodir em mais uma grande guerra. A Lei de Salazar não considerou optimizar recursos nacionais nem entrou em linha de conta com conceitos de justiça social. É a lei de um homem acossado (foi a altura da bomba que quase o matou a caminho da missa na Barbosa du Bocage) feita no meio de uma calamidade universal para sobreviver num país onde era raro ter-se viatura privada.
Setenta anos passados, no mesmo local onde a Lei do Petróleo foi redigida, o Conselho de Ministros de José Sócrates aprova um Decreto-Lei que revoga a elaboração jurídica da ditadura. Já não era sem tempo. A adesão à comunidade económica e o mercado petrolífero não se compadeciam com as visões do mundo de um contabilista honesto que nunca tinha conduzido um automóvel e que ainda não se tinha atrevido ao seu histórico e único voo em aeroplano entre o Porto e Lisboa.
Jorge Sampaio promulgou sem questões o Decreto-Lei 31/2006, e ficou tudo na mesma. A legislação do fim do monopólio dos petróleos nunca foi aplicada porque o mesmo governo que a redigiu não a regulamentou. Dois anos passados, os combustíveis em Portugal continuam a ser geridos como se o mercado ainda fosse dominado por Calouste Gulbenkian, o arménio que trazia petróleo da Rússia, e por Martin Sain o parisiense romeno a quem Salazar confiou a primeira empresa de combustíveis de Portugal, a Sacor.
É um mistério o porquê do atraso em pôr fim ao monopólio da Galp. O Governo alega que se aguarda pelo relatório da Autoridade da Concorrência. O relatório foi pedido há um mês. A lei está inerte há dois anos e meio. Pelo caminho ficou a tentativa de Patrick Monteiro de Barros de construir uma refinaria fora do controlo da Galp que Manuel Pinho apoiou para depois, surpreendentemente, recuar para a barricada legislativa construída por Salazar. Quanto é que a Galp e os seus parceiros lucraram com esta moratória? Olhe-se para a diferença do preço dos combustíveis entre Portugal e a Espanha e façam-se as contas.