O pior cego é aquele que não quer ver!
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A propósito da notícia veiculada a 14 de maio de 2024, pelo “Jornal de Notícias”, com o título “Enfermeiros perdem poder para os médicos nos partos”, é fundamental esclarecer que em saúde não deveriam existir pergaminhos de poder. Por ser essa, infelizmente, a realidade em muitas instituições é que Portugal continua com a despesa pública da saúde a subir continuamente e com alguns indicadores que nos colocam na cauda da Europa, como é o caso da taxa de cesarianas em 37,8% (2022), quando há 25 anos era de 26,8% (Pordata), enquanto em muitos países europeus mal alcança os dois dígitos. Outro mau exemplo é Portugal ser país líder na União Europeia na taxa de infeções associadas a cuidados de saúde (ECDC), uma incidência de 8,9% no último inquérito, de acordo com o relatório desta organização. Isto significa mortalidade acrescida em 31,6% e custos de milhões de euros para o erário público. Os portugueses não precisam de poderes instalados nas profissões da saúde, precisam, sim, de eficiência, dedicação e humanismo.
A prática de internamento de mulheres com gravidezes de baixo risco por enfermeiros obstetras sempre existiu na maioria dos hospitais, mesmo sem qualquer orientação da Direção-Geral da Saúde (DGS). Mais, os enfermeiros obstetras trazem ao mundo 44,7% dos portugueses, pelo que não precisam de demonstrar poder a ninguém. Interessante seria a DGS regulamentar o que a Diretiva Europeia 2005/36 impõe, nomeadamente que compete aos enfermeiros obstetras “diagnosticar a gravidez, vigiar a gravidez normal, efetuar os exames necessários à vigilância da evolução da gravidez normal” e “prescrever ou aconselhar os exames necessários ao diagnóstico mais precoce possível da gravidez de risco”. Muito embora esta diretiva tenha sido transposta, através da Lei n.o 9/ /2009, nunca houve regulamentação e orientações técnicas, assim como nunca houve preocupação do Estado de estudar as comparticipações públicas destes atos dos enfermeiros obstetras. Teremos de ter uma crise de falta de médicos obstetras para, de repente, um qualquer Governo acordar e suplicar aos enfermeiros obstetras que assumam funções para as quais a Europa já lhes reconheceu competências? Quer-me parecer que os lobbies continuam com os seus tentáculos infiltrados no tecido da saúde em Portugal para não perderem o dito “poder” e, mais ainda, os cifrões no final do mês, em detrimento de uma assistência de maior proximidade e eficiência. A roda está inventada e com bons resultados, basta olhar para realidades como a Suécia, a Noruega e os Países Baixos, com melhores indicadores e a menores preços. O pior cego é aquele que não quer ver...

