O pior da crise covid-19 é esta espécie de afogamento que nos leva a energia toda só para tentarmos continuar a respirar.
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Ficamos todos dentro de uma bolha e convencemo-nos de que tudo o resto pode ficar de fora para ser tratado mal haja tempo e disposição.
E, assim, mais uma vez, vamos adiando o trabalho planeado, contínuo, persistente que tem de ser feito todos os dias, haja o que houver.
E temos tanto trabalho urgente a ser feito.
Que espécie de consciências vivem com realidades como o bairro da Jamaica, no Seixal? Ou o bairro Cova da Moura, na Amadora?
Como podemos acreditar no país da Web Summit ou da Liga dos Campeões quando, ali ao lado, se vive em condições infra-humanas?
Como convivemos com um discurso que glorifica o heroísmo dos profissionais de saúde e na ala pediátrica do Hospital de S. João (ou seja, nos contentores) os profissionais têm de assumir perante os pais das crianças internadas que não têm direito a pequeno-almoço nem a lanche (e almoço e jantar só há porque estamos em pandemia e os pais não podem sair), que não têm uma toalha para tomar banho, que só há uma casa de banho para todos os pais, que ninguém, salvo as crianças, tem uma cama para se deitar e, portanto, pode dormir nem que seja um mês num sofá? E que provavelmente nada disto vai mudar até a nova ala ser (finalmente) construída?
Andamos sempre de urgência em urgência e as crises que, infelizmente, se sucedem têm justificado uma muito deficiente avaliação da governação estrutural do país.
Mas, ajudava, se a comunicação, dos governantes e dos meios de Comunicação Social, fosse mais responsável. Ou seja, que a cada tema fosse dedicado o número de minutos correspondente à respetiva importância.
E, no entanto, se fechar os olhos só me lembro de frivolidades como a de hoje, na fronteira do Caia.
*Analista financeira