O ministro da Economia foi imprudente nas declarações que fez em Madrid sobre o TGV. É o projecto - e não a decisão sobre ele - que está suspenso, e os espanhóis compreendem que Portugal não o pode realizar na forma que foi idealizado. Além disso, Espanha prepara-se para eleições, e é muito provável que o seu novo Governo também venha a ter uma opinião bem diferente sobre a matéria.
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Ainda assim, o ministro tem razão ao salientar que o transporte de mercadorias por via-férrea em bitola europeia, que garante um acesso à rede espanhola e permite passar além dos Pirenéus, é um desígnio estratégico para Portugal, e que procure conciliar essa estratégia com Espanha. Há muito que defendo que, antes de resolvermos o problema do tráfego de passageiros, que têm no transporte aéreo uma alternativa económica, se deveria dar prioridade ao transporte de mercadorias. Hoje, as nossas exportações para a Europa dependem exclusivamente do transporte rodoviário, que tem custos elevados e está sujeito a constrangimentos crescentes, e do transporte marítimo que não serve muitos dos destinos europeus das nossas exportações. Precisamos, por isso, daquilo a que chamei de um "pipeline" ferroviário que garanta o acesso das nossas mercadorias à Europa. Aliás, a União Europeia anunciou que a Rede Transeuropeia de Transporte Ferroviário de Mercadorias, em que este projecto se insere, fará parte do próximo pacote financeiro para 2014-2020, pelo que interessa aos dois países ibéricos acertarem uma estratégia conjunta.
Nesse sentido, o ministro já deveria ter anunciado que a linha de bitola ibérica entre Sines e o Caia, que o anterior Governo planeou, não será construída, pois não serve esse desígnio. Se, porventura, interessa aos espanhóis, como porta de saída para as suas exportações, ou ao concessionário do terminal de contentores de Sines, que é uma empresa de Singapura e que paga rendas muito baixas ao Estado português, então que sejam eles a construir, e a explorar, essa ligação.
Mas, a linha para mercadorias em bitola europeia é um projecto que não deve ser confundido com o do TGV, e nada justifica que tenha Sines como ponto de partida. Sines tem um terminal de contentores, de águas profundas, que é útil como porta de entrada e de saída para o tráfego marítimo de longa distância, mas não é um pólo exportador. A Petrogal é o único exportador local, mas os seus produtos não são exportáveis por via ferroviária. Aliás, se se excluir a Autoeuropa, e uma parte da produção da Portucel, grande parte das exportações adequadas à ferrovia e destinadas à União Europeia tem origem na fachada atlântica ente Leiria e Braga. São essas exportações que terão vantagem competitiva se tiverem acesso fácil a um corredor ferroviário para Espanha e para o coração da Europa.
Por isso, o "pipeline" que mais interessa a Portugal deveria terminar no porto de Aveiro, situado no coração das regiões exportadoras, e onde existem excelentes terraplenos, boas ligações rodoviárias e acesso ao mar, o que é útil em termos de intermodalidade. Para isso existe, além do mais, um corredor ferroviário disponível: a linha da Beira Alta, que liga a Vilar Formoso e à rede espanhola, e que apenas precisaria de ser modernizada e prolongada entre Mangualde e o porto de Aveiro.
É óbvio que o desenho do "pipeline" exige um consenso com Espanha onde decorre, neste momento, um aceso debate sobre o assunto. Barcelona e Valência preferem o corredor mediterrânico, Madrid quer um corredor central, enquanto o País Basco, Castilla Léon e a Galiza reclamam um corredor Atlântico, através do noroeste peninsular. E, essa opção, seja através de Salamanca/Aveiro como defendo, seja pela Galiza (o que obrigaria a que se reavaliasse a linha Porto/Vigo) é a que mais interessa a Portugal. Se tivermos sorte, será essa a escolha do futuro Governo de Espanha. Entretanto, deveríamos fazer o nosso trabalho de casa, avaliando os custos e benefícios das várias alternativas, evitando as declarações avulsas que podem prejudicar os nossos interesses.