Acabou o Campeonato do Mundo de Futebol, que mobilizou a opinião pública mundial como nunca tinha acontecido com qualquer outro acontecimento do passado. Calcula-se que mais de 7 mil milhões de espectadores tenham tido acesso, pelo menos uma vez, a uma transmissão televisiva. Este facto, aliado à dimensão económica universal do evento, obriga a que mesmo um não especialista tenha a tentação de opinar sobre o tema.
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Do ponto de vista desportivo este foi um torneio que consolidou uma mudança de paradigma.
Se este desporto/espetáculo/negócio já havia atingido o estatuto de fenómeno planetário, agora, até do ponto de vista competitivo, se solidificou a harmonização igualitária. Acabaram as fronteiras estanques entre grandes e pequenos. A nivelação e a incerteza dos resultados foram uma constante. A absorção de métodos organizativos de primeira linha conduziu a prestações físicas e táticas que fazem com que o Magreb já se bata com a Europa e as Antilhas com a forte América do Sul. A técnica, por si só, já não faz a diferença.
Muito contribuiu para a aceleração deste processo a presença generalizada de atletas desses países nos principais campeonatos do Mundo. É verdade que ainda aconteceram goleadas, mas poucas e, paradoxalmente, em disputas entre países "ricos". É verdade que os quatro semifinalistas ainda foram quatro clientes habituais destas andanças, mas muitos deles sofreram a bom sofrer para arredar da competição a Argélia, a Costa Rica, o Irão ou os Estados Unidos da América.
Uma palavra também sobre algumas equipas europeias e sobre a seleção nacional.
Algumas das seleções europeias absorveram também transformações marcantes. Mimetizando a França, seleções como a Bélgica, a Holanda e a Alemanha, começam a aceitar com naturalidade a mestiçagem das suas comunidades. Assim começa a ser vulgar que os seus principais nomes sejam oriundos de fora de portas. A campeã do Mundo gerou o melhor marcador de sempre nascido na Polónia, Klose, um motor "otomano", Ozil, e um lateral ganês, Boateng.
E dado o muito que já se escreveu sobre a prestação nacional é sobre o tema anterior que vale a pena ter uma opinião que ajude a condicionar o futuro. É patético que haja sempre um debate lastimável sempre que algum cidadão proveniente de outras paranças é apontado à equipa nacional. É patético porque está contra a tendência geral, mas principalmente porque a questão só se tem colocado em relação a jogadores que falam português.
Há muito que a Federação Portuguesa de Futebol devia ter definido uma doutrina definitiva sobre esta matéria assumindo com naturalidade a lusofonia. Tal era uma evidência vantajosa em termos desportivos, mas também em termos políticos e económicos.
Foi ridículo o esforço que se despendeu para naturalizar Deco ou os contornos novelescos e mal contados que impediram o portista Fernando de estar presente no Brasil. E o curioso é o contravapor vir de quem vibra com as vitórias de Obikwelu com os sucessos no ténis de mesa obtidos por portuguesas com olhar oriental!
Finalmente, com o relançamento das competições caseiras lá vêm as vendas em leilão dos principais ativos dos nossos principais clubes e a importação de paletes de estrangeiros que aqui se vêm valorizar. Isto no berço que gerou Figo, Ronaldo, Mourinho e Villas-Boas e que todos os dias forma talentos potenciais semelhantes.
Mas será que isto acontece só porque os empresários são gananciosos e os dirigentes pouco responsáveis? É claro que não. De outra forma, dificilmente seríamos performantes no médio prazo. A atual estrutura do futebol europeu está virada para a canibalização dos "pobres" pelos "ricos" do costume. Como na economia e na política.
Mas tal como na política também nos negócios, e também nestes, existe solução. Reformista e corajosa. Um campeonato Ibérico daria aos nossos principais emblemas um mercado de 52 milhões de consumidores, receitas televisivas semelhantes às do Barça, uma colheita de marchandise a ombrear com um Real Madrid.
Mas para tal era necessário vontade e coragem. Tudo o que colide com os que na terrinha preferem ser reis na mediocridade do que passarem a ser príncipes num mundo mais alargado. Um dia virá em que os adeptos, todos nós, imporemos este caminho.