Na entrevista que deu à RTP, e em que aliás se furtou a responder às perguntas dos jornalistas, Sócrates voltou a faltar à verdade, ao insistir em repetir os argumentos do ministro das Finanças, que afirma que o aumento do défice de 2010 resultou da alteração das regras do jogo quando ele ainda ia a meio. Ou seja, defende o ministro das Finanças, e confirma o primeiro-ministro, que foi o Eurostat que, de repente, se lembrou de obrigar os estados-membros a incluir, no valor do défice, as contas das empresas de transporte e, no caso português, o buraco do BPN. A acreditar nestes senhores, tudo não passa, por isso, de uma mera alteração metodológica. E, como tem vindo a ser repetido até à exaustão nos últimos anos, devemos sempre acreditar nos méritos da governação socialista que tanto fez por nós e pelo nosso bem-estar, e que só foi derrotada por uma manobra irresponsável da Oposição que, num belo dia de Março, decidiu atirar por terra o titânico esforço do nosso patriótico Governo. Ou seja, devemos aceitar muito simplesmente que a culpa da crise financeira é dos mercados, e que a culpa da crise política é de quem fez cair o Governo.
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Ora, o Eurostat confirmou ao "Diário Económico" que "as regras são estáveis mas as contas das empresas públicas podem mudar rapidamente, sobretudo num período de crise económica". A fonte do instituto de estatística da União Europeia explicou que é isso que "torna necessário rever a classificação destas empresas regularmente". Quer isto dizer que o défice de 2010, que o Governo revira em baixa para 6,8%, abaixo da meta de 7,3% que tinha sido prometida ao país, a Bruxelas e aos mercados, foi de facto - e de acordo com regras existentes que o Governo não podia desconhecer - de 8,6%. Aliás, a questão da desorçamentação há muito que é falada por Medina Carreira que, talvez por isso, tem sido tratado como um profeta da desgraça. Certo é que aquilo que o Governo diz, nesta questão, não é verdade.
Dois dias depois desta entrevista, Sócrates volta às televisões, agora para reconhecer que o adensar da crise o obriga a recorrer, em desespero, à ajuda internacional que horas antes teimava em recusar. Mais uma vez, não resistiu a tentar iludir o país, culpando a Oposição, e tentando alegar que a crise teve, na sua origem, o "chumbo" do PEC IV. Ora, por muito eficiente que seja a barragem de artilharia mediática que o Governo e o PS organizaram, com habilidade e muitíssimas cumplicidades, os portugueses não vão decerto deixar de compreender que, mais uma vez, a verdade lhes foi ocultada. De facto, o recurso ao FMI tornou-se inevitável porque, perante uma gravíssima crise financeira, Sócrates tardou, por razões eleitorais, a adaptar as suas políticas à realidade. Com Sócrates e o seu ilusionismo, a dívida pública portuguesa ao estrangeiro duplicou. E, por essa razão, desde há mais de um ano que a cada PEC apresentado, o "rating" de Portugal ia-se degradando, e o país já só se conseguia financiar junto dos especuladores que Sócrates dizia combater.
A partir de agora, e quaisquer que sejam as condições que nos venham a ser impostas, o caminho será mais estreito, e o futuro Governo terá de implementar medidas impopulares e recessivas. Todos nós teremos de mudar de vida, e estaremos condenados a um longo e penoso caminho de sacrifícios para cumprir as obrigações que passamos a assumir perante o exterior, tornadas necessárias para evitar a bancarrota. E, nesse longo e duro caminho de austeridade, os portugueses não se podem deixar iludir, nem desgovernar por todos os que se viciaram, e os viciaram, na mentira, e os colocaram nesta situação de incerteza e de dificuldade.