Corpo do artigo
Bem pode a independência ser um sonho catalão. Até ver, porém, a independência da Catalunha é um ato falhado. Dois dias depois da declaração unilateral, em Barcelona, nenhum Estado no mundo real reconhece tal república. E o português terá sido o primeiro a negá-la, condenando "a quebra da ordem constitucional e o ataque ao Estado de direito em Espanha - parte integrante do quadro jurídico da União Europeia".
A Espanha que Ortega y Gasset definia como "criação de Castela" estremece com a ameaça separatista, a mais grave crise constitucional que a democracia espanhola enfrenta nos seus 40 anos de existência. E tudo o que de mau possa acontecer ali não deixará de nos afetar negativamente. Os estilhaços não tardarão a chegar, sobretudo os económicos.
E agora? - pergunta a geral, quando se dão os primeiros passos num túnel escuro que ninguém pisou. Porque não há precedente legal em Espanha para a suspensão da autonomia, a demissão de um governo e a dissolução de um parlamento regionais. O Governo central de Madrid marcou eleições regionais para 21 de dezembro, enquanto o Ministério Público espanhol se prepara para acusar de crime de rebelião os arquitetos da declaração de independência. O braço de ferro vai continuar e sobra para as ruas. A escalada pode degenerar em violência. E há forças que apostam nisso.
Em Espanha, como noutras paragens europeias, os movimentos nacionalistas têm sido terreno fértil para a incitação à revolta social e ao aumento do populismo, fundado no crescimento das desigualdades. A ira popular - perante a corrupção política, a escassez de mão de obra e tantas outras urgências ignoradas pelos poderes - por mais justificada que seja, acabará em desilusão, porventura desesperada, se os líderes políticos e sociais não souberem conduzir os desejos de mudança e de vida melhor aos seus cidadãos. É disso que trata a política. O arrepio, esse, é lembrarmo-nos de que ainda há 80 anos, aqui mesmo ao lado, se travava a sangrenta Guerra Civil que serviria de ensaio geral à mais ensanguentada das guerras mundiais.
Oxalá os dirigentes políticos espanhóis tenham lido bem Ortega y Gasset, um dos seus filósofos maiores no século XX, quando ele dizia que "o poder é menos uma questão de punhos e mais uma questão de nádegas". Foi ele que traduziu para os espanhóis o célebre diálogo em que um bispo, opondo-se às políticas de hegemonia centralista, explicava a Napoleão que nenhum regime se sustenta só pela força: "Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre elas".
DIRETOR