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"O porquinho foi à horta/ e comeu uma bolota", o que é um desconchavo, pois na horta temos alfaces, tomates ou pimentos. Sabem-no bem os porcos alentejanos que se enchem de bolotas no montado, nem lhes passando pelas cabeças fuçar no meio de couves e pepinos em busca de uma bolota só. Vagueando entre sobros e azinheiras, alambazam-se com quilos e quilos dos frutos que lhes darão mais suculentas carnes, sobretudo se transformadas em deleitosos presuntos. Continuando, não se esgota aí a ladainha infantil, embora os versos seguintes sejam menos incongruentes: "O cão também lá quis ir/ mas fecharam-lhe a casota".
Já se sabe que os cães são lambareiros e iriam facilmente atrás do porquinho, mas não têm a mania de ser espertalhões, como conclui a mesma cantilena. Do cão, animal da minha preferência que era também o mais estimado da extraordinária Jane Goodall, falecida há dias, recebemos total dedicação e amor incondicional. A cientista não gostava dessa maneira dos chimpanzés, que toda a vida estudou, pois atribuía-lhes similitudes com as pessoas, não apenas para o bem, mas também para o mal. Detetava nalguns deles maldade, algo que os humanos desenvolveram e refinaram, mas já lhes vinha, pelo visto, dos simiescos antepassados.
Tal como entre as pessoas, há chimpanzés bons e maus. E, sendo certo que nem todos nos dedicamos ao estudo de chimpanzés, é na apreciação de pessoas que, tanto quanto nos cabe escolher quem faz parte das nossas vidas, tentamos desenvolver a capacidade de distinguir o trigo do joio. Diferenciamos pessoas, positivamente, pela simpatia que nos despertam, pela admiração que nos suscitam, pelas ideias com que nos tocam, pela leitura que fazem do Mundo, pela empatia. Quando aprendemos a avaliar as pessoas pelo que são, mais do que pelo que vestem, conseguimos distinguir e afastar quem se aproxima de nós pelo que lhe podemos proporcionar e não pelo que somos. E tentamos - nem sempre com sucesso, assim é a vida - ver à légua quem despreza, pelo desconhecimento, o que diz amar. É assim em todos os sítios e em todos os momentos, com todos os riscos inerentes a abrir a porta aos outros, a única maneira de viver em pleno. Um casamento pode ou não dar em divórcio, mas só é verdadeiro se nele tivermos entrado de peito aberto e alma esperançosa.
E assim, num dia com coisas importantes de que não se pode falar até à hora da janta, aqui fica uma crónica sobre nada.